“Fiquei com um pouquinho de medo. Fiquei com medinho”, afirmou na tarde desta terça-feira (29) Gustavo Rafael da Fonseca Pereira, que apesar de ainda mostrar as mãos para indicar seus 5 anos de idade, contou com detalhes qual foi a sensação que teve durante as mais de duas horas que ficou trancado numa sala escura da Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Coronel Walfrido de Carvalho, no Tremembé, na Zona Norte de São Paulo, na noite anterior. A Polícia Civil investiga o caso e eventuais responsabilidades pelo crime de abandono de incapaz.
A escolinha já havia sido fechada por volta das 19h de segunda-feira (28), mas funcionários esqueceram de acordar o menino - a criança estuda das 13h às 18h50 na unidade. Ele foi esquecido deitado sob um colchão. Pedagogos, professores e vigilantes não viram a criança no canto da sala. O último que passou por lá apagou as luzes. A pré-escola, que atende crianças de 3 anos a 6 anos, foi fechada com cadeado.
Gustavo só foi retirado da EMEI com a ajuda de vizinhos que ouviram o choro dele, perto das 21h. Um homem pulou o muro da escolinha, arrombou uma porta e trouxe o menino nas costas de volta para a mãe, a empregada doméstica Jordana Silva da Fonseca, de 29 anos.
Ela havia sentido falta do filho a partir do momento em que motorista da van escolar passou na frente da sua casa, que fica a dez minutos da creche, e informou que um porteiro da EMEI havia dito que Gustavo já tinha sido levado pelo pai, o pintor Júlio Cesar Pereira, de 25. A informação equivocada fez Jordana ligar para o marido, que negou ter pego o menino.
“Eu então pedi a ajuda a uma amiga para passar na escola e fui com ela para lá. Chegando, ouvi os gritos e choro do meu filho. Fiquei desesperada com aquela situação. Ouvia ele bater na janela, dizendo que queria passar pelo vão, mas era muito pequeno”, relatou Jordana, que teve a ajuda de pessoas que moram perto da escola.
Uma delas, um homem, decidiu invadir a EMEI para resgatar o menino. “Eu havia ligado para a Polícia Militar, mas ela demorou para aparecer. A PM ainda me pediu para esperar a viatura, mas eu não aguentava mais aquele drama. Quando vi, o homem pulou lá dentro”, disse a mãe.
Susto
“O moço me salvou. Ele falou para eu me afastar da porta. Depois ele deu um chute e ela estourou. Ele me pegou e falou que ia ficar tudo bem, para eu não chorar mais. Eu pedi para ele não me deixar sozinho. Estava muito escuro lá dentro”, disse Gustavo.
Após o susto, Jordana e Júlio disseram que querem retirar o filho da EMEI e matriculá-lo agora numa escola particular. “Vai ficar pesado desembolsar R$ 400 por mês, mas vamos fazer isso porque não temos mais confiança onde ele está. Hoje [terça] ele não voltou para a escolinha porque está traumatizado, mas deverá ir nos próximos dias até fazermos a transferência no ano que vem”, disse o pai.
“Lá naquele lugar [EMEI] ele não estuda mais. Pensamos que o Gustavo havia sido sequestrado”, disse a mulher, que afirmou ter procurado o Conselho Tutelar do bairro. “Me orientaram a procurar um psicólogo para meu filho. Ele vai precisar fazer tratamento para superar o que passou”.
Jordana também pretende entrar com uma ação para pedir indenização a Prefeitura de São Paulo pelo que ocorreu com seu filho. “Foi culpa dos funcionários desatentos. Você confia a vida e segurança de seu filho a uma escola e veja só o que acontece. Graças a Deus, ele está vivo, mas poderia ter ocorrido o pior com meu filho ou o filho de outra mãe”.
Gustavo entre o pai e a mãe mostra os dedos ao ser
questionado qual é a sua idade (Kleber Tomaz / G1)
O que diz a escola
O G1 também visitou a escola nesta manhã de segunda para tentar falar com a direção. Procurada, uma representante da creche afirmou que estava proibida de dar qualquer informação à equipe de reportagem.
Procurada para comentar o assunto, a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo confirmou que a criança ficou retida na escola após o seu fechamento e que iria apurar as circunstâncias de como ela ficou presa e eventuais responsabilidades de quem a deixou lá.
Por meio de nota, a pasta informou que a “Diretoria Regional de Educação (DRE) Jaçanã / Tremembé abrirá uma apuração preliminar para investigar a responsabilidade funcional no episódio ocorrido na segunda-feira, 28, nas dependências da EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) Coronel Walfrido de Carvalho, no Tremembé. A DRE também vai colaborar com a polícia no que for preciso para o total esclarecimento dos fatos.”
PM e Polícia Civil
Questionada se demorou para atender a ocorrência, a Polícia Militar informou que prestou o atendimento à mãe ainda na escola. De acordo com a assessoria de imprensa da Polícia Militar, a escola estava fechada e a mãe da criança ligou por volta das 20h de segunda para o telefone 190 da PM solicitando ajuda para retirar seu filho da unidade escolar. Segundo a corporação, policiais militares foram até o local, na Rua Vicente Querol, ouviram o grito do garoto e o resgataram juntamente com a ajuda de vizinhos da escola.
“A PM não resgatou meu filho com a ajuda de vizinhos. A PM chegou depois. Foi um vizinho quem pulou lá e pegou meu menino nas costas”, discordou Jordana.
Os policiais militares que atenderam a ocorrência levaram o caso para o 73º Distrito Policial, no Jaçanã. O delegado titular Mário Guilherme Carvalho afirmou ao G1 que instaurou um inquérito para apurar o crime de abandono de incapaz. “Vamos ouvir os funcionários da escola, a direção, os vigias, todo mundo, a mãe da criança, para saber o que aconteceu. Alguém será responsabilizado por ter esquecido a criança numa sala escura e trancada”, disse Carvalho.
A investigação também irá saber se existem câmeras de segurança na EMEI. Caso haja, elas podem ter gravado o momento em que o menino foi esquecido.
Fonte: G1
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