quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Crack: Justiça autoriza internação compulsória de menor usuário

Decisão inédita foi proferida pelo desembargador Paulo Rangel
Medida da prefeitura estava em vigor desde o ano passado
Usuários de crack montam acampamento no Parque União

Usuários de crack montam acampamento no Parque União, no Complexo da Maré, onde a prefeitura já realizou diversas ações de acolhimento
Foto: Pablo Jacob / O Globo
RIO - A Justiça se manifestou de forma favorável à internação compulsória de um menor usuário de crack, em decisão proferida pelo desembargador Paulo Rangel, do Tribunal de Justiça do estado do Rio (TJ-RJ). Ele indeferiu um pedido de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública, que pedia a liberação de uma adolescente. Segundo o magistrado, essa foi a primeira decisão da Justiça do Rio a favor da internação compulsória de um menor usuário da droga, que está em vigor desde o ano passado. No entendimento do desembargador, não há razão para alegação de que o Estado estaria ultrapassando os limites da legalidade ao realizar internações compulsórias de dependentes de crack. Ao participar nesta quarta-feira da solenidade de comemorações dos 50 anos do Hospital Federal da Lagoa, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse que a legislação federal fala claramente sobre os casos de internações compulsória nos casos de usuários de crack. Sem mencionar diretamente a decisão do desembargador Paulo Rangel, Padilha disse que o fundamental para o Minsitério da Saúde é ajudar a cidade do Rio de Janeiro a ampliar o atendimento e internação dos dependentes.
— Já colocamos recursos à disposição do prefeito Eduardo Paes, que elaborou um novo plano de combate ao crack. O Ministério da Saúde para a ampliação da rede de atendimento e acolhimento das pessoas e de suas famílias. Mas o decisivo é reconstruir o projeto de vida das pessoas — declarou Alexandre Padilha.
Paulo Rangel cita o decreto-lei 891, de 25 de novembro de 1938, ao afirmar que a legislação brasileira admite a iniciativa. Nele, há a menção de que “os toxicômanos ou os intoxicados habituais, por entorpecentes, por inebriantes em geral ou bebidas alcoólicas, são passíveis de internação obrigatória”. Ela “se dará, nos casos de toxicomania por entorpecentes ou nos outros casos, quando provada a necessidade de tratamento adequado ao enfermo, ou for conveniente à ordem pública. Essa internação se verificará mediante representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público, só se tornando efetiva após decisão judicial”.
A decisão destaca ainda que a liberdade de ir e vir de uma pessoa tem peso constitucional menor do que o direito à vida. No entendimento do desembargador, não há como se proteger a liberdade se a própria vida não está assegurada. “O crack é sem dúvida um dos maiores e piores flagelos de nossa sociedade, retirando do indivíduo sua capacidade de se autodeterminar e, consequentemente, seu poder de escolha entre a vida saudável longe das drogas e a morte. O Estado tem o dever de agir em nome da proteção à vida das pessoas. A liberdade de locomoção será sacrificada em nome de um bem jurídico maior que é a vida, bem supremo de todo e qualquer ser humano”, afirma.
Em outubro deste ano, o prefeito Eduardo Paes havia anunciado que ampliaria a internação compulsória também para adultos, o que gerou polêmica. Na ocasião, Paes disse não saber ainda como a medida será adotada na prática, afirmando que será estabelecido um protocolo pela Secretaria municipal de Assistência Social, e que pedirá apoio do governo federal.
Eduardo Paes já havia defendido o acolhimento compulsório de adultos viciados em crack em abril deste ano, ao assinar um convênio para o combate ao tráfico junto com os governos estadual e federal. Durante o lançamento da campanha "Crack, é possível vencer", no Palácio da Cidade, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou que somente no município do Rio seriam investidos nos próximos anos R$ 4,5 milhões para o combate ao uso do crack.
O debate sobre a polêmica medida da prefeitura do Rio teve início em junho de 2011, quando foi determinado o acolhimento compulsório de menores dependentes químicos. De um lado, representantes de entidades de direitos humanos e dos conselhos regionais de enfermagem, assistência social e psicologia criticaram a medida, classificada como "inconstitucional e de faxina da cidade". No outro extremo, estava o secretário municipal de Assistência Social na ocasião, Rodrigo Bethlem, que taxou de demagogos os críticos da medida.
No mesmo mês, a Justiça determinou a primeira internação compulsória de um adulto usuário de crack no Rio, após a decisão de obrigar os menores viciados a participarem de tratamento. A decisão foi da juíza Ivone Caetano, da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital, que determinou a internação de uma mulher de 22 anos, grávida de oito meses, recolhida pela Secretaria municipal de Assistência Social durante uma operação para retirar usuários de crack no Jacarezinho. A família da grávida, que relutou em seguir para o abrigo, pediu a internação da mulher. Há uma discussão jurídica sobre constitucionalidade da medida, que o próprio Paes admite ser polêmica.

Usuários de crack montam acampamento no Parque União
Usuários de crack fizeram um acampamento no Parque União, no Complexo da Maré, onde a prefeitura já realizou diversas ações de acolhimento. Muitas barracas ocupam um aterro feito pela prefeitura embaixo do viaduto, mas algumas chegam a invadir a pista lateral da Avenida Brasil, sentido Santa Cruz. Na manhã desta quarta-feira, apesar da presença de pessoas usando a droga, não há policiamento no local.
A cracolândia do Parque União, que fica às margens da Avenida Brasil, tem sido alvo constante de operações. Após um mês de ações consecutivas na localidade, foram realizados 657 acolhimentos, sendo 588 adultos e 69 crianças e adolescentes. De acordo com a prefeitura, o trabalho na região vai continuar por tempo indeterminado.
No entanto, as ações do poder público vêm surtindo pouco efeito. Segundo a Secretaria municipal de Assistência Social, apenas 10% dos viciados recolhidos aceitam ajuda. Os outros 90% fogem dos abrigos e voltam às cracolândias. Para dificultar o retorno, os assistentes sociais retiram as roupas, cobertores, cadeiras e outros pertences deixados pelos usuários no momento da fuga.
Fonte: http://oglobo.globo.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário