segunda-feira, 5 de novembro de 2012

DF: Conselhos tutelares sofrem sem recurso

Menos de um 1% dos R$ 38 milhões destinados às unidades de atendimento a criança e ao adolescente foram executados neste ano. Estruturas padecem até de tinta de impressora para imprimir processos
Marco Aurélio detalha a precariedade da unidade no Novo Gama (GO): quase três meses sem tinta na impressora (Carlos Moura/CB/D.A Press)
Considerados verdadeiros guardiões dos direitos da infância e adolescência, os conselhos tutelares, presentes em quase todo o território brasileiro, não receberam nem 1% dos R$ 38 milhões previstos pelo governo federal no programa para reestruturar e qualificar os órgãos em 2012. Dependentes dos orçamentos minguados das prefeituras para funcionar, os conselhos padecem de todo tipo de problema — falta de mobiliário, computador, telefone, carro e até tinta para imprimir processos. E o pouco que a União reserva demora a chegar.“É muito preocupante constatar uma execução tão baixa dos recursos que deveriam apoiar as atividades dos conselhos tutelares faltando pouco tempo para fechar o ano”, critica Ariel de Castro, vice-presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil. Ele ressalta que, embora a missão de manter os órgãos administrativos seja dos Executivos locais, o governo federal não deve se omitir de complementar os investimentos. “Os conselhos têm a missão de zelar, averiguando qualquer suspeita de direito violado. Para isso, precisam ter estrutura”, afirma.
Uma radiografia completa dos 5,9 mil conselhos existentes no Brasil deve sair nas próximas semanas, quando a Secretaria de Direitos Humanos divulgará o 1º Cadastro Nacional dos Conselhos Tutelares. Mas já se sabe, dentro do órgão, que os novos números não destoarão muito do último levantamento semelhante encomendado pela pasta, em 2007, apesar de avanços. Naquela ocasião, verificou-se que a falta de um espaço permanente atingia 12% dos então 4,8 mil conselhos. Em 15%, não havia mobiliário básico, como cadeira e mesa, e 24% não contava nem com papel.
Cinco anos depois do levantamento que apontou a escassez de recursos, alguns problemas se perpetuam no Novo Gama (GO), a apenas 50km de Brasília. Em um terreno pequeno, funcionando em um prédio de aproximadamente 40m², faltam itens básicos como armário para arquivar os documentos e até tinta para a impressora. Mais grave do que isso, na opinião do conselheiro Marco Aurélio Cardoso Ribeiro, é a ausência de uma rede para dar prosseguimento às atividades do conselho. “Não temos como encaminhar as crianças com problemas de média e alta complexidade que chegam aqui”, lamenta.
A precariedade do conselho tutelar do Novo Gama veio à tona nesta semana, depois de revelada a história de quatro crianças — com 4, 7, 9 e 12 anos — que precisaram ser retiradas de casa, mas não tinham para onde ir. Elas tiveram de dormir no Centro de Referência em Assistência Social (Creas) do município, onde não há acomodação adequada, em colchões improvisados pela equipe. “Sem essa rede de assistência, as crianças ficam desamparadas”, conta Marco.
Depois de quase três meses sem tinta na impressora do conselho, o item só foi comprado pelo governo local quando a história das quatro crianças ganhou as manchetes dos jornais e da internet. “Precisamos da tinta para imprimir os autos, sem ela, nosso trabalho é inviabilizado”, diz o conselheiro. Marco Aurélio também reclama da falta de uma sala especial para atendimento de crianças abusadas sexualmente. “É preciso ambiente para elas se abrirem. Não adianta colocar numa sala só com quatro paredes”, explica.

Sem internet
A falta de estrutura chegou ao ponto de o conselho estar ameaçado de perder os recursos federais aos quais tem direito. Falta um técnico em informática da prefeitura para instalar o Sistema de Informações para a Infância e a Adolescência (Sipia), programa pelo qual o governo federal controla, entre outras coisas, a aplicação dos recursos, conta Marco. Em Luziânia, o mesmo problema acontece. “Precisamos da internet para trabalhar com o Sipia, mas estamos sem acesso. Faz três meses que pedimos a visita de um técnico e nada. Já acionamos o Judiciário”, afirma João Souza Filho, presidente de um dos dois conselhos tutelares de Luziânia (GO).
Para conseguir uma reforma na casa cedida pela prefeitura e o conserto de um veículo, conta João, o mesmo expediente teve de ser usado. “Só conseguimos as coisas depois de muita pressão, tendo que requerer na Justiça itens básicos para o nosso funcionamento”, lamenta o presidente do conselho. Ele enxerga dois motivos para a falta de investimento por parte das prefeituras. “Muitos não entendem a importância do nosso trabalho. Outros evitam investir exatamente para minar nossa capacidade de averiguar as violações de direitos ocorridas no município”, destaca João. 
O 1º Cadastro Nacional dos Conselhos Tutelares reforçará a ampla cobertura de conselhos tutelares no Brasil, mostrando, por exemplo, que apenas nove estados não têm ao menos um órgão em cada município. São Paulo, que tem a maior quantidade, conta com 44 unidades — pouco considerado o parâmetro instituído pelo Conselho Nacional de Criança e do Adolescente (Conanda), de uma instituição para cada 100 mil habitantes. Por esse cálculo, São Paulo deveria ter 410 unidades.

“Sem essa rede de assistência, as crianças ficam desamparadas”
Marco Aurélio Cardoso Ribeiro, conselheiro no Novo Gama (GO)

Para saber mais
A iIntenção é agilidade

Criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, o conselho tutelar é um órgão autônomo, de caráter administrativo, regulamentado por lei municipal e sem relação com o Judiciário. Tem como principal objetivo zelar pelos direitos da criança e do adolescente de forma ágil, que dispensa a judicialização do processo. Diante de qualquer suspeita de violação, o órgão tem que agir, verificando denúncias, dando os primeiros atendimentos e encaminhando os problemas — conforme as características de cada caso — aos demais órgãos (como Ministério Público, Judiciário e rede de assistência social).
É formado por cinco cidadãos escolhidos pela sociedade, na maioria das vezes por meio de voto, que não é obrigatório. Há cidades onde eles são indicados por entidades credenciadas pelo Conselho Municipal da Criança. A qualificação exigida para ser conselheiro tutelar diverge em cada cidade. Algumas legislações municipais estabelecem critérios como escolaridade mínima e experiência no tema da infância. Outras exigem apenas que o conselheiro, que tem mandato de quatro anos, seja uma pessoa atuante na comunidade. Os conselheiros são pagos pelas prefeituras, que depois de criar o órgão por meio de lei também devem garantir sua manutenção e o bom funcionamento.

RENATA MARIZ
JULIANA BRAGA 
Correio Braziliense

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