quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Trabalho infantil ainda é a principal fonte de renda de muitas famílias brasileiras

Créditos: Pedro Figueiredo
Yuri Kiddo, da Cidade Escola Aprendiz
Com o pai afastado da família pela justiça por abusar sexualmente de um dos nove filhos, não restou alternativa para os quatro irmãos mais velhos a não ser tomarem a frente do orçamento familiar. Vivendo com aproximadamente R$ 700 por mês, divididos entre alimentação e contas de água e gás, a mãe mora com os filhos num porão cedido por um vizinho, na região do ABC Paulista, sem janelas e com colchonetes espalhados pelo espaço, que é quarto, banheiro e cozinha ao mesmo tempo.
“Eu tento ir pra escola, mas não dá. Saio do trabalho sempre muito tarde”. Essa é a frase repetida por cada um dos filhos, de 13, 15, 16 e 17 anos, que passam horas em busca de trocados com reciclagem e nos comércios do bairro. Não há contrato, valor estipulado ou horas fixas, e o ritmo de trabalho varia de acordo com a demanda, sendo até mais de 10 horas por dia, principalmente aos fins de semana ou feriados. “Atualmente os três mais velhos tentam supletivo, mas não conseguem terminar por falta e cansaço”, afirma a educadora social que acompanha o caso da família, Ivone Nosula. Ser o arrimo da casa é a responsabilidade de quase 660 mil adolescentes de 15 a 19 anos no país. A pesquisa é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio do Censo 2010, que revela ainda que mais de 131 mil crianças brasileiras entre 10 e 14 anos também são chefes de família.
Apesar do trabalho no Brasil ser proibido para pessoas com menos de 16 anos, com exceção da condição de aprendiz, os dados revelam que o trabalho infantil ainda é a principal fonte de renda de muitas famílias brasileiras. “É uma situação histórica, bastante antiga no país. Não é somente uma questão de pobreza, mas de perda de um dos progenitores e também uma questão de cultura quando se acredita que a única forma de educação e socialização é por meio do trabalho. Isso não é real”, diz o coordenador do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Renato Mendes.

Infância roubada
As crianças e adolescentes que trabalham antes do tempo ficam deslocados socialmente por, ao mesmo tempo, ainda não serem adultos e terem a infância roubada, como explica Nosula. “A realidade da fome, do trabalho na rua e dos vários tipos de abusos faz com que a criança deixe de brincar e use a imaginação porque estas atividades perdem o sentido”. A educadora, que também já foi professora na rede municipal de ensino, aponta que é o papel da escola estabelecer um laço de segurança para essa criança. Porém, isso não acontece. “Quando a criança chega à escola com sono, suja e dispersa, dificilmente ela encontra um olhar acolhedor ou algum profissional que questione sua rotina. Muitas escolas tratam o aluno com discriminação,” lamenta.
A instituição de ensino é fundamental para a formação e socialização da criança e do adolescente, mas está longe de ser o ideal. “Os fatores determinantes para combater o trabalho infantil são quando a instituição escolar tem professores com bons salários, condições adequadas de trabalho, conteúdo diversificado e mais de um período disponível para as crianças e adolescentes”, Mendes.

Alternativas insuficientes
Apesar daquela família no ABC Paulista receber R$ 180 pelo Bolsa Família por meio do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) desde 2011, não existe a possibilidade dos filhos pararem de trabalhar. “Como a criança vai sair da situação de trabalho infantil se ela é o sustento da casa?”, questiona Nosula.
Mesmo os três adolescentes mais velhos não terem frequentado a escola, os outros seis filhos estudam e estão inseridos no programa de educação em tempo integral do governo federal, Mais Educação. “Os mais novos conseguem se relacionar melhor que os mais velhos, por terem espaço e tempo para socialização e brincadeiras”, explica a educadora. “Porém as crianças são extremamente acuadas com qualquer pessoa que não seja do convívio natural, porque vivem numa situação de pobreza que é vergonhosa e elas se sentem mal por isso”.
Para Mendes, o Brasil está num caminho adequado no combate ao trabalho infantil, mas ainda é necessário maior integração e interiorização das políticas públicas. “A politica pública federal não atinge os municípios que mais tem casos de trabalho infantil e mais precisam dela. Por isso, é necessário a municipalização da politica de eliminação do trabalho infantil”.
“O trabalho é uma alternativa educacional desde que seja feito no momento propício, na idade certa e de forma adequada, garantindo que o adolescente não tenha danos ao seu corpo e ao processo escolar no sentido de desenvolvimento”, conclui Mendes.


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