Sinal de eficácia. Crianças e adolescentes que voltam mais cedo para casa nos municípios de Santo Estevão, Ipecaetá e Antonio Cardoso estão cada dia mais longe da compra de pedras de crack por R$0,50, crimes de pedofilia e violência. Naquela região, a delinquência juvenil recuou em 70% a partir de junho do ano passado, quando uma Portaria baixada pelo juiz José Brandão Netto, da Comarca de Santo Estêvão, estabeleceu o horário máximo de permanência de menores de idade nas ruas das cidades, o chamado Toque de Acolher.
Crianças e adolescentes, desacompanhados de seus respectivos responsáveis legais são proibidas de permanecer nas ruas ou em locais públicos Para aqueles com até 12 anos, o limite é 20h30.
Em entrevista à Tribuna, Brandão Netto, que também já foi delegado nas esferas estadual e federal, detalha como se deu todo o processo de implementação da medida protetiva, o enfrentamento às críticas e resistências, inclusive de um membro do Conselho Nacional de Justiça, e revela os resultados de um ano de vigência da decisão. Para o juiz, criança e adolescente é prioridade absoluta. Para ele, o Toque de Acolher é um nocaute contra as drogas e a pedofilia.
Veja abaixo a entrevista do Juíz Dr. Brandão Netto que implementou o toque de acolher em algumas cidades do interior da Bahia, essa entrevista foi concedida a TRIBUNA DA BAHIA.
Tribuna da Bahia – Quais motivos o levaram a baixar uma Portaria, em junho do ano passado, determinando o horário máximo de permanência de crianças e adolescentes nas ruas dos municípios de Santo Estêvão, Ipecaetá e Antonio Cardoso? E por que esta medida teve o nome alterado de Toque de Recolher para Toque de Acolher?
José Brandão Netto – A delinquência juvenil vinha numa crescente nessas regiões, e o crack estava tomando conta do interior, quando uma pedra da droga já chegava a ser vendida por R$0,50. A comunidade, incomodada com a situação, passou a cobrar medidas que pudessem mudar esta triste realidade. Então, esta foi a alternativa que encontramos para mudar o contexto dessas cidades. A mudança também ocorreu no nome da ação porque o “Toque de Recolher” é sempre atribuído ao tráfico, ao crime. Como o nosso papel é de, justamente, combater a criminalidade, a proposta foi de “acolher” os jovens em casa.
TB – Mas, quando da implantação da medida, houve resistência de alguma parte?
JBN – De boa parte dos jovens. Mas, a maioria das pessoas é favorável. Em qualquer enquete a aprovação é esmagadora. Tem uma média de aceitação de 90%. Tenho em mãos quase 40 mil assinaturas de pessoas de várias cidades que estão a favor. Já recebemos várias placas de escolas, moções e a CPI da pedofilia, através do senador Magno Malta, solicitou-me um projeto de lei federal para todo o país, tendo em vista os efeitos positivos da medida.
TB – E na prática, qual a estrutura de funcionamento do Toque de Acolher?
JBN – Todas as noites veículos da Justiça com os agentes de Proteção à Infância, Polícia Militar e Guarda Municipal circulam pela cidade. A polícia apenas
acompanha os agentes. Caso sejam encontrados menores de idade, transgredindo os limites dos horários, eles são encaminhados para o Juizado da Infância. De lá, os comissários ligam para os pais buscarem seus filhos. Em caso de reincidência, por três vezes, haverá um processo com possibilidade de pagamento de multa, no valor de três a 20 salários mínimos. Mas, não há prisão de nenhum menor.
TB – Quais são as principais regras do Toque de Acolher?
JBN – As crianças e adolescentes, desacompanhadas de seus responsáveis legais ou acompanhantes, são proibidas de permanecer nas ruas ou em locais públicos, espaços comunitários, bailes, festas, promoções dançantes, shows e boates, inclusive em lan’s houses e congêneres, nos seguintes horários: até 12 anos não podem permanecer depois das 20h30; entre os 13 anos e os 15 anos devem retornar para casa até as 22 horas; para adolescentes entre 16 anos e os 18 anos, só haverá limitações de horário caso estejam em situações de risco. Nesses casos, a medida se aplica independentemente do horário, ou seja, a qualquer hora do dia ou da noite.
TB – Mas existe alguma exceção à regra no que diz respeito aos horários, ou em qualquer situação as crianças e adolescentes devem respeitar os limites de permanência nas ruas da cidade?
JBN – A medida não funciona em situações festivas como Micaretas, Carnaval, São João, São Pedro, Natal, aniversários das cidades e festas de tradição local. E também em situações de retorno da escola, de atividade religiosa, esportiva, escolares, entre outras atividades consideradas lícitas.
TB – Após um ano de vigência, qual é o balanço da decisão?
JBN – Cerca de 750 adolescentes já foram conduzidos para o Juizado da Infância, sendo 578 de Santo Estevão, e 122 de Ipeacetá, por serem encontrados fora dos horários da Portaria, durante as rondas realizadas. Já registramos redução em 30% na média de uso de bebida alcoólica, que é uma contravenção penal, e os donos dos bares são conduzidos para a Polícia em caso de flagrante. O último registro de drogas nas escolas data de junho de 2009, quando houve sete casos. De lá para cá, ou seja, depois do toque de acolher, sumiram os registros. A violência recuou em 70% logo no mês seguinte. As ameaças a professores eram recorrentes. Agora são exceções. Em 2010, somente 09 ocorrências, até agora, de uso de drogas por menor de 18 anos. O toque de acolher é um nocaute contra as drogas e na pedofilia.
TB – Há reincidências?
JBN – Há alguns casos “pingados de reincidência”. Acho que o toque de acolher pegou mesmo em Santo Estêvão e Ipecaetá, a ponto de haver um respeito muito grande na comunidade e, por isso, estamos encontrando pouquíssimas reincidências ou resistência à medida.
TB – Além da redução da delinquência, que outros resultados positivos a medida tem trazido para os municípios?
JBN – São inúmeros. Entre eles, a prefeitura de Santo Estêvão, empolgada com os primeiros resultados, além de decretar o Toque de Acolher como lei municipal, criou um “convênio de desintoxicação” para jovens viciados em drogas. Nesse caso, todas as despesas com clínicas de recuperação são custeadas pela administração municipal. Mais de 70 Juízes e Promotores da Bahia e Sergipe já nos pediram cópia da decisão interessados pela mesma. Fato é que, em 18 estados, em 56 cidades, a medida já está sendo adotada, com pequenas variações que atendem a necessidade da medida e aos seus efeitos sociais.
TB – A adoção da medida protetiva foi questionada no Conselho Nacional de Justiça por um único requerente, que solicitou liminarmente a suspensão da portaria de juízes da Infância e da Juventude das comarcas de sete municípios brasileiros, mas o próprio CNJ se declarou incompetente para julgar as portarias. Qual foi o entendimento?
JBN – Eu elaborei uma tese, como preliminar do mérito, quando tive a Portaria atacada no CNJ e, junto com o juiz Evandro Pelarin, de Fernandópolis (SP), estive no Conselho para apresentar nossas argumentações, o que acabou alicerçando a decisão da entidade. Os tribunais conhecem de perto a situação de cada comarca, a cultura do Estado e da sociedade, enfim, têm uma visão ampla e real da situação. O Superior Tribunal de Justiça, que é o segundo mais importante tribunal do país, também entendeu que o Toque de Acolher não é ilegal.
TB – Para finalizar, que outras resoluções podem ser aliadas para reforçar a aplicação da medida protetiva?
JSBN – Precisamos de uma Polícia mais bem paga. É preciso aprovar logo um piso salarial nacional de R$ 4,2 mil. Precisamos de remuneração para os Agentes de Proteção à Infância e uma melhor remuneração aos Conselheiros Tutelares. Criança e Adolescente
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