terça-feira, 16 de agosto de 2011

Criança precisa ser ensinada sobre diferença entre afeto e abuso


Em junho deste ano, a Associação Brasileira dos Magistrados e Promotores (ABMP) e a Childhood Brasil, promoveram o I Colóquio sobre Direitos Sexuais de Crianças e Adolescentes no Marco dos Direitos Humanos, na PUC do Rio de Janeiro. O evento debateu autonomia, proteção e participação de crianças e adolescentes em relação aos seus direitos sexuais e reprodutivos para fomentar políticas públicas e gerar recomendações para a área jurídica.
A coordenadora dos projetos dos direitos da criança e do adolescente da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), Maria América Ungaretti, defende que a discussão do direito sexual infantojuvenil é fundamental para o enfrentamento do abuso e da exploração sexual.

Quais foram os resultados deste evento e o que ainda precisa ser feito para caminhar nesta questão?

Houve ênfase muito grande para a questão dos direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes e jovens e sobre a violência sexual, mas ninguém abordou, por exemplo, os direitos sexuais de crianças na primeira infância (até seis anos), porque temos ainda muita dificuldade em fazer esta diferença entre proteção e autonomia. Foi positivo, porque ousamos. A Childhood pode ser considerada pioneira porque aceitou a proposta inovadora da ABMP e queremos dar continuidade a essa discussão bastante embrionária e desafiadora.

Por que a sexualidade e os direitos sexuais de crianças e adolescentes ainda são assuntos muito comentados, mas pouco compreendidos?
Vivemos em um país ainda bastante conservador, onde as questões de afetividade e sexualidade são muito confusas. A criança tem sexualidade diferenciada com prazer e satisfação, desde um, dois anos, quando é amamentada, faz xixi e passa pelas etapas do desenvolvimento afetivo e sexual. Mas, nas próprias escolas a educação sexual é apenas do ponto de vista biológico, fala-se de saúde e reprodução, mas não do prazer.

Professores mais conservadores acham que levar esta discussão é estimular a vida sexual de forma precoce, quando do ponto de vista cultural as pesquisas indicam que a idade média nacional de início sexual é 12 anos (menino) e 14 (menina). Do ponto de vista da Justiça, qualquer relação com meninos e meninas abaixo de 14 é considerado estupro e o sistema  de justiça considera avanço, mas está em defasagem com a cultura do país. Qualquer família que quiser denunciar um menino de 15 anos tendo relações com uma menina de 12 pode. E sabemos que muitos já beijam e têm relações.

De que forma conhecer os direitos sexuais na infância é importante para ajudar no enfrentamento do abuso sexual?
Não queremos chegar ao estágio da sociedade americana em que se o menininho de seis anos der um beijo na boca de uma menina de quatro anos, ele está assediando, longe disso. Mas, a criança precisa saber até que ponto é afetividade e carinho que ela merece, e onde o adulto já está se aproveitando do poder que tem para submetê-la. Hoje 80% dos casos de abuso são dentro da própria família. Você vê vários depoimentos de homens dizendo que antes de ser de qualquer um, a menina vai ser dele. Este sentimento de propriedade e de poder fazer o que quiser com a criança é bastante forte no mundo.
A senhora defende o tratamento para o agressor?

O violador deve ser tratado na visão de direitos humanos, para ele ter consciência que aquilo que ele está fazendo prejudica o desenvolvimento afetivo, emocional e intelectual da criança. Muitos deles foram abusados na infância, é a violência a ser resolvida com violência. Eles dominam a criança de diversas formas: passando a mão no seio, bulinando, expondo o órgão, pedindo para a criança chupar. Daí a grande dificuldade de punir o agressor, porque normalmente é uma violência sexual indireta, no qual a menina continua virgem.Um adulto com sua sexualidade bem resolvida não vai usar uma criança para a sua satisfação.

E como a senhora analisa a exploração sexual infantil?
Muitas meninas já foram abusadas e se sentem desvalorizadas, sujas. Sentem-se deformadas, que não servem mais para nada, então entram para a prostituição.  Outras acabam nas ruas por conflitos familiares, vão por pobreza, mas é mais abrangente do que se pensava, vendem o corpo para drogas, para pagar objetos de uma sociedade consumista onde se vale pelo que se veste.

Mesmo com a liberação dos costumes (a virgindade caiu por terra e as mulheres convidam os homens para ter relação, algo impensável há 40 anos) os homens ainda procuram prostitutas e quanto mais novas mais interessantes, porque temos a não aceitação do envelhecimento na sociedade.

Como se preparar para os grandes eventos esportivos que serão sediados no Brasil sem colocar em risco as crianças?
Um dos objetivos do primeiro colóquio foi estabelecer parcerias com o Governo do Rio, onde a prostituição será uma forma dos segmentos mais pobres adquirirem renda, e há o sonho de achar o estrangeiro que dê uma vida melhor em outro país.

Em novembro, devemos fazer um encontro com as universidades do Rio, a Fundação para a infância e Adolescência (FIA) e o Ministério Público para discutir plano de trabalho para 2012 e queremos, evidente, que a Childhood participe.
Fonte: Childhood Brasil 

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