Apesar de artigo polêmico, Sinase regulamenta cumprimento de medidas socioeducativas no País e torna obrigatório o retorno do adolescente à escola
A presidenta Dilma Rousseff sancionou nessa quarta-feira (18) a Lei 12594/12, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e entra em vigor daqui a 90 dias. Pela primeira vez, o Brasil terá uma lei nacional para a execução de medidas socioeducativas destinadas a crianças e adolescentes que pratiquem atos infracionais. Apesar de ser comemorada por defensores de direitos humanos por regular o sistema, o artigo 65 da lei causa incômodo. De acordo com o texto, a autoridade judiciária poderá interditar o adolescente em caso de transtorno mental. Deve-se “remeter cópia dos autos ao Ministério Público para eventual propositura de interdição e outras providências pertinentes”.
O secretário parlamentar da Câmara Federal dos Deputados e membro da Frente Estadual Antimanicomial Leonardo Pinho considera que o artigo abre brecha para que adolescentes sejam internados por tempo indeterminado. “Qualquer medida de privação de direitos, ou seja, a interdição, exige uma fiscalização e um acompanhamento superiores e dá algumas brechas”. Pinho cita o exemplo da Unidade Experimental de Saúde, em São Paulo, que mantém jovens detidos mesmo após o cumprimento da medida socioeducativa.
Para o vice- presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ariel de Castro Alves, o artigo 65 reforça a possibilidade da internação, o que, para ele não pode ser regra. “A privação de liberdade é sempre a forma mais cara de tornar as pessoas piores. Diante da dita comoção popular e das polêmicas envolvendo a maioridade penal e o tempo de internação, o Judiciário tem se curvado à pressão da opinião pública e aplicado a internação como a principal medida e não como exceção, em casos nos quais as demais medidas não seriam adequadas.”
Alves lembra, no entanto, que alguns programas de atendimento socioeducativo em meio aberto executados pelo poder público ou até por ONGs são de má qualidade ou nem existem. “A maioria dos municípios ainda não possui os programas e serviços. Nessa ausência ou má qualidade dos programas, se eu fosse juiz também pensaria duas vezes antes de deixar o adolescente ser acompanhado e orientado por programas precários ou inexistentes.”
Contudo, o artigo 49, inciso 2, permite que, na falta de vagas em unidades de internação e apenas em casos de atos infracionais sem o uso da violência ou grave ameaça, como o furto, o jovem cumpra a medida socioeducativa em meio aberto. “Isso evita a superlotação e que o jovem seja prejudicado em razão da incompetência do Estado, já que ele ficaria esperando a vaga em uma unidade não adequada ou em um DP”, explica.
Retorno à escola
Apesar de possuir um artigo polêmico, o novo Sinase é visto como um avanço na questão de medidas socioeducativas ao obrigar que os adolescentes voltem a estudar durante e após o cumprimento das medidas, de acordo com o artigo 82. “Antes era praticado em algumas unidades, mas não era obrigação”, explica Leonardo Pinho.
“Se o adolescente procura a escola, o serviço de atendimento contra a drogadição, trabalho e profissionalização e não encontra vaga, ele vai para o crime. O crime só inclui quando o Estado exclui”, afirma Alves.
Para o senador Armando Monteiro Neto, relator do projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, a disparidade nas políticas adotadas pelos governos municipais, estaduais e federal deve ser corrigida com a nova lei. “É como se depois de 21 anos da criação do ECA, iniciássemos a fazer valer os preceitos contidos no Estatuto.”
Unidade para jovens cumprirem medidas socioeducativas
Problemas nos tratamentos
Há quatro anos uma resolução do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) criava o Sinase, mas muitas de suas determinações não eram cumpridas. Isso pode ser comprovado pelos relatórios do Programa Justiça ao Jovem, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que denunciaram abusos.
Desde junho de 2010, magistrados visitam unidades de internação para jovens infratores em Estados do País e, dos 25 relatórios disponibilizados no site do CNJ, apenas dois – de Roraima e Santa Catarina – não relatam problemas encontrados. Nos outros 23 Estados, são relatados problemas de superlotação, abusos de autoridade, maus-tratos, falta de programas pedagógicos e locais físicos inadequados para o tratamento dos jovens, com uma arquitetura prisional.
Das 196 unidades visitadas nos 25 Estados, pelo menos 30% apresentaram superlotação. Além disso, em 21 Estados foram vistas unidades com arquitetura prisional e em sete foram relatados casos de agressão. Em uma unidade de internação de Brasília, segundo o relatório do CNJ, ao menos 21 adolescentes morreram em 13 anos. O Ministério Público pediu o fechamento do local, o que não ocorreu até a publicação do relatório.
Para Ariel Alves, o novo Sinase tem pontos positivos que podem ajudar a melhorar a situação encontrada pelos desembargadores, como o artigo 43, que prevê a reavaliação da medida socioeducativa a qualquer momento desde que haja um motivo aceitável e o artigo 48, que proíbe o isolamento do jovem, a não ser para proteger ele mesmo ou outros internos.
No entanto, Alves ressalta que a lei é falha em alguns pontos, como ao não determinar a divisão de internos por idade, ato infracional cometido e porte físico. “A legislação poderia ser mais incisiva em prever unidades de internação com capacidade para até 40 internos e a criação de ouvidorias e corregedorias independentes para enfrentar as constantes situações de maus-tratos, torturas e outras irregularidades, principais queixas dos jovens e de entidades de direitos humanos com relação ao sistema socioeducativo no País e que podem gerar processos internacionais.”
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