domingo, 15 de janeiro de 2012

CONSELHO TUTELAR: PERGUNTAS E RESPOSTAS

O Conselho Tutelar deve realizar a fiscalização de bailes e boates?

 O Conselho Tutelar não é um órgão de segurança pública (e nem é ou pode agir como uma espécie de “polícia de criança”), mas isto não significa que não detenha o chamado “poder de polícia” (inerente a diversas autoridades públicas, investidas de atribuições específicas, como é o caso, por exemplo, da “vigilância sanitária” em relação às infrações praticadas por estabelecimentos que comercializam alimentos) e/ou a atribuição de fiscalizar possíveis violações de direitos de crianças e adolescentes, por quem quer que seja (o que é inerente à sua “atribuição primeira”, contida no art. 131, do ECA).
A atividade fiscalizatória do Conselho Tutelar em locais onde se encontram crianças e adolescentes decorre de disposições explícitas, como é o caso do disposto no art. 95, do ECA, bem como de outras implícitas, como aquela decorrente da combinação dos arts. 194 e 258, ambos do ECA. Não haveria sentido em dotar o Conselho Tutelar da atribuição de oferecer representação à autoridade judiciária quando da constatação de violação às normas de proteção relativas ao acesso e permanência de crianças e adolescentes em locais de diversão, se a atividade fiscalizatória de tais locais não fosse inerente às atribuições do órgão (e por regras básicas de hermenêutica jurídica, considera-se que “a lei não contém palavras inúteis” e “deve ser sempre interpretada de forma lógica/teleológica”). Vale observar, no entanto, que tal atividade, além de ser comum ao Conselho Tutelar, Ministério Público e Poder Judiciário (inclusive no que diz respeito à atuação do Comissariado de Vigilância da Infância e da Juventude), não tem por objetivo “flagrar” crianças e adolescentes em “bailes, boates ou congêneres...”, na perspectiva de sua “repressão”, mas sim deve ser desempenhada com o objetivo de constatar a possível violação de direitos de crianças e adolescentes pelos proprietários de tais estabelecimentos e seus prepostos (e é contra estes - proprietários e prepostos - que deve recair a atuação repressiva Estatal). A atuação do Conselho Tutelar (e dos demais integrantes do “Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente”) deve sempre ser direcionada “em prol” da criança/adolescente, pois afinal, a interpretação e aplicação de todo e qualquer dispositivo contido na Lei n° 8.069/90 deve ocorrer no sentido de sua proteção integral, tal qual preconizado pelos arts. 1°, 6° e 100, par. único, inciso II, do ECA. Assim sendo, se houver mera suspeita de que determinado estabelecimento (como uma boate), está sendo responsável pela violação dos direitos de crianças e adolescentes (o que pode ocorrer com a simples permissão de seu acesso ao local, em desacordo com uma Portaria Judicial regulamentadora, por exemplo), cabe ao Conselho Tutelar, assim como ao Ministério Público, ao Poder Judiciário, e aos demais integrantes do referido “Sistema de Garantias” (e em última análise, a todos, dado disposto no art. 70, do ECA, que abre o capítulo relativo à prevenção, onde também estão inseridas as disposições relativas ao acesso de crianças e adolescentes aos locais de diversão), agir no sentido da repressão dos responsáveis pela violação, que devem ser punidos na forma da lei (cf. art. 5°, do ECA), devendo ser colhidas as provas necessárias (notadamente os nomes, idades e endereços das crianças/adolescentes, nomes e endereços de seus pais ou responsável e de testemunhas do ocorrido, dentre outras), e deflagrado, por iniciativa do próprio Conselho Tutelar, o procedimento judicial para apuração da infração administrativa prevista no art. 258, do ECA (sem prejuízo de eventual iniciativa do Ministério Público no sentido da apuração de outras infrações). Importante destacar, no entanto, que muito mais do que atuar de forma “repressiva”, deve-se procurar agir de forma preventiva, cabendo ao CMDCA, se necessário provocado pelo Conselho Tutelar, deflagrar uma “campanha de conscientização” junto aos empresários locais responsáveis pelos estabelecimentos atingidos pelas Portarias Judiciais, no sentido de que é seu dever cumprir fielmente tais determinações, fazendo rigoroso controle de acesso aos mesmos, através da comprovação da identidade e da idade dos freqüentadores e seus acompanhantes (e deve ficar claro que cabe aos proprietários dos estabelecimentos e seus prepostos - não ao Conselho Tutelar ou a qualquer outro órgão público - o controle de acesso ao local, não sendo o caso, logicamente, de deixar um conselheiro tutelar, comissário de vigilância da infância e da juventude, representante do Ministério Público, ou Juiz “de plantão” na porta do estabelecimento, para impedir o acesso de crianças e adolescentes). A fiscalização, seja pelo Conselho Tutelar, representante do Ministério Público, do Poder Judiciário ou de outro órgão público, deve ser feita “de inopino” (não há necessidade sequer que isto seja feito toda semana) e, para cada criança ou adolescente encontrada de forma irregular, deve corresponder UMA representação pela prática da infração administrativa do art. 258, do ECA - ou seja, para cada criança ou adolescente encontrado irregularmente no local, deve corresponder um procedimento judicial e uma multa distinta (embora os procedimentos possam ser instruídos e julgados de forma simultânea em razão da existência de conexão). No que diz respeito à fiscalização dos estabelecimentos em si, como a responsabilidade de zelar pelo efetivo respeito aos direitos assegurados a crianças e adolescentes pelo ECA e pela CF não é apenas do Conselho Tutelar, mas também do Ministério Público e do Poder Judiciário, para que a autoridade judiciária “exija” algo do Conselho Tutelar, deve também estar disposta a participar da fiscalização, juntamente com o representante do Ministério Público. Não parece que seja correto fazer tal “exigência” do Conselho Tutelar, seja porque não existe “hierarquia” entre a autoridade judiciária e o Conselho Tutelar, seja porque tal fiscalização deveria ser exercida espontaneamente pelo Conselho Tutelar (assim como pela própria autoridade judiciária, pelo comissariado da infância e da juventude, pelo Ministério Público, pelas polícias civil e militar etc.). Assim sendo, cabe ao Conselho Tutelar buscar o entendimento junto à autoridade judiciária e Ministério Público locais (bem como com o CMDCA), de modo que sejam planejadas estratégias de ação conjunta, no sentido da orientação dos proprietários de estabelecimentos (numa perspectiva preventiva, como acima mencionado), bem como definidas responsabilidades (inclusive dos demais responsáveis por tal “fiscalização”, como é o caso do Ministério Público, Poder Judiciário, Polícias Civil e Militar etc.), assim como “fluxos operacionais”, para que cada qual exerça suas atribuições sem prejuízo daquilo que é de responsabilidade dos demais. A referida orientação, aliás, deve ser efetuada, inclusive, na perspectiva de evitar que os responsáveis pelos estabelecimentos a serem fiscalizados criem qualquer embaraço à atuação do Conselho Tutelar (o que pode caracterizar o crime previsto no art. 236, do ECA), sendo certo que, quando da realização das diligências, o Conselho Tutelar poderá contar com o apoio da Polícia Militar (cf. art. 136, inciso III, alínea “a”, do ECA), na perspectiva de garantir a segurança de seus integrantes e mesmo efetuar possíveis prisões em flagrante, em especial daqueles que estiverem eventualmente fornecendo bebidas alcoólicas a crianças e adolescentes (pela prática do crime tipificado no art. 243, do ECA). A propósito, os proprietários dos estabelecimentos devem ser “alertados” que, para efeito de sua responsabilização, não será aceita a “desculpa” de que a venda foi feita a algum adulto, que depois repassou a bebida ao adolescente. O art. 70, do ECA, é expresso em determinar que “é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”, ou seja, os proprietários dos estabelecimentos e seus prepostos têm o dever de impedir que crianças ou adolescentes consumam bebidas alcoólicas no local, sendo certo que, na forma do art. 29, do Código Penal: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”, ou seja, aquele que fornece a bebida a um adulto, sabendo ou assumindo o risco (dolo eventual - cf. art. 18, inciso I, do Código Penal) que o mesmo a repassará a uma criança ou adolescente, estará também participando do crime, e poderá ser preso em flagrante juntamente com este. A orientação aos proprietários dos estabelecimentos acerca das conseqüências do descumprimento das normas de proteção, somada à realização de “operações conjuntas” a serem combinadas com o Judiciário, Ministério Público, Policias Civil e Militar etc., fará com que aqueles exerçam um maior controle sobre o acesso e permanência de crianças e adolescentes no local, bem como quanto ao fornecimento de bebidas alcoólicas, direta ou indiretamente, contribuindo assim para evitar ou ao menos minimizar os problemas daí decorrentes. Importante, antes de mais nada, que o Conselho Tutelar não atue só, e mantenha com o Poder Judiciário, com o Ministério Público, Polícias Civil e Militar (assim como junto a outros integrantes do “Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente”) uma relação de parceria, confiança e respeito, devendo buscar o entendimento e a superação de possíveis conflitos que venham surgir. Infelizmente, em muitos casos, o Conselho Tutelar ainda não é reconhecido como autoridade pública que é, verdadeira instituição democrática que possui um “status” similar ao conferido pela Lei n° 8.069/90 à autoridade judiciária (bastando, para tanto, ver o disposto nos arts. 95, 191, 194, 236, 249 e 262, todos do ECA). É fundamental que todos aprendam a trabalhar juntos, de forma articulada, como é da essência da política de atendimento preconizada pelo ECA, em seu art. 86. Se necessário, para fazer com que o CMDCA local promova a referida articulação, deve o Conselho Tutelar buscar a intermediação de algum integrante do órgão que seja mais consciente e que tenha mais conhecimento sobre a matéria, ou mesmo de alguma outra autoridade local que preencha tais requisitos. É preciso superar as diferenças e os problemas hoje existentes, pois do contrário, caso o Conselho Tutelar, ou qualquer dos demais integrantes do “Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente” deixe de exercer em sua plenitude suas atribuições, os maiores prejudicados serão as crianças e adolescentes do município.


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