domingo, 4 de março de 2012

RETRATOS DA INVISIBILIDADE HUMANA: UM CHINELO, UM BONÉ E UM COBERTOR VELHO

Foto: Tiago Bottino
Por Tiago Bottino 
VÁRIOS TIROS MATARAM UM HOMEM NO CENTRO DE ITAPETINGA, ELE DEIXOU DE EXISTIR OU JÁ NÃO EXISTIA?
Ontem a tarde dirigia pela Avenida Cinquentenário em Itapetinga, nas proximidades do Hospital Santa Maria. Naquele local um crime, no início da manhã, não parou a cidade, não foi motivo de comentários nos barzinhos, não foi alvo da curiosidade, nem tampouco teve importância. Um homem foi morto naquele local com 03 tiros, restava no chão apenas o seu boné velho, com um pequeno buraco proveniente de uma bala que perfurou sua cabeça, uma de suas sandálias, e um cobertor, que ele trazia consigo e era o seu grande companheiro nas noites de frio. Uma vida foi retirada naquele local, deixou de existir, desapareceu eternamente.... Uma vida cheia de sonhos, que talvez fosse marginal, inteligente, que escrevesse poemas ou mesmo que tivesse nas cáries de sua boca uma história impregnada de sorrisos ou mesmo tristezas. Um ser humano, em alguns segundos deixou de existir, e ali restava como resto de sua passagem por esse planeta 03 pequenas peças: o boné, a sandália e o cobertor.
Foto: Tiago Bottino

Muitas vezes nós reclamamos por não ter aquilo que queremos, muitas vezes ligamos o ar condicionado e ficamos chateados por não termos feito aquela viagem que queríamos... E a única coisa que aquele homem tinha era um boné, a sandália e o cobertor... É redundante dizer isso, porém, imaginem em sua vida o quanto isso é pequeno, o quanto isso é sem importância, e aquele homem morto perfurado por balas de revólver não tinha nada além disso, além de três insignificantes coisas. Essas pessoas transitam invisivelmente ao nosso lado, nós sequer percebemos a sua existência. E o pior de tudo, elas vivem e morrem como se nunca tivessem existido... Ninguém liga, ninguém olha, ninguém vê... Elas nascem, trabalham conosco, trabalham em nossas casas, em nossos quintais, lavam nossos carros, conversam conosco... E simplesmente não existem, vivos ou mortos não existem para nós. Passei o dia sentindo isso, uma dor me vem latente desde a madrugada e me fez chorar a morte de Valdicélio, e de centenas de outros jovens de Itapetinga. O que eles tem? O que eles tinham? Como eles viviam? Tiveram oportunidades para sair da vida marginal, ou mesmo da miséria massacrante que os destroem a vida? Tiveram uma vida digna e foram respeitados pelo sistema? Precisamos abrir nossos olhos e ver essas pessoas, elas existem. São escravas desse sistema vampiresco, arbitrário e elitista em que vivemos. São vitimas de toda essa segregação histórica de um país escravocrata, que relegou aos limbos sociais e a marginalização filhos, netos e descendentes das senzalas.

Vivemos um teatro de continuas injustiças.

Texto:
Tiago Bottino J. Brige
-Pedagogo /UESB
-Coordenador Pedagógico
-Coordenador do PREVE - Programa de 
Prev. a Violência e o Uso de Drogas
-Editor e diretor Itapetinga AGORA.com
-Especialista em Gerenciamento de Crises e 
Mediação de Conflitos - Ministério da Justiça
contatos:
ADICIONEM TIAGO BOTTINO J. BRIGE
MSN/email: itapetingaagora@hotmail.com

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