quarta-feira, 26 de junho de 2013

Gritar, ameaçar e humilhar uma criança são atitudes tão nocivas quanto bater


Assim como bater, humilhar, aterrorizar ou ameaçar uma criança não educa, só traumatiza
Seja aprovado ou não pelo Congresso Nacional, o projeto apelidado de "Lei da Palmada", que proíbe os castigos físicos e tratamentos degradantes de crianças e adolescentes pelos pais, já vem provocando mudanças. Desde 2003, quando começou a ser delineado, bater nos filhos tornou-se uma atitude politicamente incorreta, em especial depois que psicólogos, psiquiatras e educadores passaram a questionar seus resultados como medida educativa. É óbvio que é praticamente impossível saber o que acontece dentro dos lares, mas, hoje em dia, quem desfere uns tabefes, em local público, é alvo imediato de olhares de reprovação –e pode ter de dar explicações ao Conselho Tutelar. Some-se a isso os vídeos caseiros de flagrantes de violência e uma patrulha informal está formada. Para os especialistas em comportamento, no entanto, não é só bater que é prejudicial e traumático. "Educar não é fácil. Não nascemos sabendo ser pais. Apesar de os tempos terem mudado, costumamos seguir os modelos que já conhecemos, de nossos pais e avós", explica o pediatra Moises Chencinksi. "E, se não se bate mais, por ser politicamente incorreto, e de fato inadequado, busca-se outras formas de ‘opressão’ para ‘educar’: gritar, castigar, xingar, ofender, humilhar...", declara. E, por essa lógica, o próprio especialista questiona: quem gosta de ser humilhado? Quem aprende algo assim? Quem pode ser feliz sendo tratado dessa forma?
Na opinião da psiquiatra Ivete Gianfaldoni Gattás, coordenadora da Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo, primeiro é preciso entender que bater em um filho com a pretensão de educá-lo ou corrigi-lo é um engano, já que está apenas a serviço da descarga de tensão de quem pratica a violência. "Mas xingar, humilhar ou gritar, além de colaborar para que as crianças cresçam com medo e a autoestima prejudicada, nos afastam delas", afirma. Para Miriam Ribeiro de Faria Silveira, diretora do Departamento de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo, quando os pais gritam o tempo todo com a criança demonstram muito mais desequilíbrio do que autoridade. "O pior é que elas também começam a gritar e ficam ansiosas, angustiadas e com muito medo, pois, onde deveriam ter seu porto seguro e soluções, encontram pais desesperados em se fazerem obedecer", diz.
A psicóloga Suzy Camacho concorda que a violência verbal é tão agressiva quanto a física, principalmente se os gritos tiverem uma conotação de ameaça: "Uma hora eu sumo e não volto nunca mais!", "Ainda vou morrer de tanta raiva", "Seu pai vai brigar comigo por sua causa!". "Diante de frases como essas, as crianças se sentem responsáveis por coisas que não são", explica Suzy. Ela também destaca o efeito devastador que os rótulos têm para a autoestima: chamar o filho de preguiçoso, bagunceiro, inútil, por exemplo. "Até os sete anos, a personalidade está em formação. Qualquer termo pejorativo pode marcar para sempre. Tente corrigir ou apontar a atitude, nunca uma característica", afirma. Exemplos? "Não gosto quando você deixa seu quarto desarrumado", "Você precisa prestar mais atenção no que eu falo" etc.
Para as crianças, a opinião dos pais e educadores a respeito de suas atitudes, da sua performance ou mesmo de seus atributos de beleza e inteligência são muito importantes na construção de uma personalidade. Ao perceberem que os pais não a admiram, elas tendem a se depreciar, o que pode culminar em casos de depressão, agressividade e fuga do convívio familiar. "Xingar e usar palavrões trazem consequências, pois é uma forma de depreciação. E como todas as crianças costumam copiar os pais, consequentemente, vão se comunicar dessa forma", diz Miriam Silveira. Já castigos cruéis despertam nas crianças a agressividade. "Nas mais extrovertidas observaremos atitudes hostis com adultos, com outras crianças e animais de estimação. Nas tímidas, as sequelas são angústia e ansiedade, sentimentos que podem impedir um desenvolvimento neuro-psíquico normal", diz Miriam.
Em muitos casos, a irritação e o cansaço causados por um dia difícil não conseguem ser controlados e o resultado acaba sendo a impaciência com os filhos. Os passos seguintes são a culpa, a frustração, a compensação para, no próximo dia, começar tudo de novo, num ciclo nocivo. Para os especialistas consultados por UOL Comportamento, a velha tática de contar até dez antes de tomar uma atitude drástica opera milagres. "Um adulto sabe que pegou pesado quando se sente angustiado. Dar um tempo freia essa sensação ruim e ajuda a esfriar a cabeça", conta a psicóloga infantil Daniella Freixo de Faria. "E se os pais, mesmo assim, extrapolarem, sempre recomendo pedir desculpas, porque um grito ou uma palavra mais pesada causa um abalo na segurança que o filho tem nos pais. Admitir que ficou triste com o que aconteceu, que estava bravo, que exagerou, demonstra respeito e ajuda a recuperar a confiança e o carinho", afirma ela. 

Dicas para não perder o controle

- Lembre sempre a idade da criança e não cobre dela um comportamento de adulto;

- Fale com a criança em um tom firme, sem gritar, e explique o motivo que o levou a chamar-lhe a atenção com linguagem adequada para a idade;

- Ao dar uma bronca, comece mostrando os pontos positivos da criança e depois fale sobre o que quer que ela mude;

- Respire fundo se perceber que vai perder a cabeça. Diga que gosta muito dela e que espera e dará chances de ela melhorar;

- Se castigar, procure tirar coisas que ela goste muito de fazer. Nunca use castigos físicos, crueldade ou ataques com palavras;

- Se necessário, adote uma punição que consiga mostrar à criança a gravidade de sua atitude. Não adianta ela obedecer aos pais apenas pelo medo, mas, sim, por entender o que seja o certo e o errado;

- Não se pune erro, mas transgressões. Se depois de analisar a situação a conduta for a punição, tenha sempre a certeza de que a criança sabe exatamente o que aconteceu, se foi intencional ou não. Para que a criança consiga distinguir certo e errado, ela precisa ser orientada.

- Pergunte-se: qual a gravidade do problema? Estou suficientemente tranquilo para essa avaliação? Essa é a hora ideal para eu resolver isso? Existe no momento alguém que possa resolver melhor essa questão do que eu?

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