Sobre a mesa da delegacia, calcinhas com motivos de coração, tops de bichinhos e outras tantas peças íntimas com florzinhas e desenhos infantis. Aquilo era apenas parte das provas de um crime que se estendeu por 15 anos. Durante esse período, segundo calcula a Polícia Civil de Santo Amaro, no Recôncavo, Edvaldo Nascimento dos Santos, 47 anos, aliciou, abusou e fotografou cerca de 60 meninas. Todas pré-adolescentes e adolescentes, entre 10 e 17 anos, que aparecem nas imagens nuas, seminuas ou em trajes íntimos. Edvaldo foi preso anteontem. Além das peças de roupa, a polícia apreendeu dezenas de álbuns de fotografia, CDs, DVDs, pen drives, duas CPUs de computador, fitas de vídeo, quatro máquinas fotográficas e uma mini filmadora. A maioria estava na residência de Edvaldo. Os policiais prenderam o fotógrafo após 15 dias de investigação, depois de uma denúncia anônima. A todo momento, novas vítimas, acompanhadas dos pais, reconhecem o acusado. Oito já prestaram depoimento. Mais quatro estão marcadas para segunda. Até ontem, nenhuma das garotas havia relatado estupro com ato sexual consumado. “De fato, elas não relatam ter sido abusadas com ato sexual. Dizem que foram fotografadas, o que pode até diminuir, mas não tira a monstruosidade do crime”, disse o titular da delegacia de Santo Amaro, José Antonio Teixeira. Edvaldo será indiciado não só por pedofilia, mas também por estupro de vulnerável. Desde 2009, todo ato de cunho sexual praticado com menor de 14 anos, mesmo com consentimento e sem penetração, pode ser considerado crime de estupro de vulnerável. “Se condenado, ele pode pegar de 8 a 12 anos de prisão”, diz o delegado. Segundo a polícia, Edvaldo atraía as garotas com promessas de trabalho como modelo. A polícia investiga a denúncia de que o fotógrafo vendia as imagens para grupos internacionais de pedofilia na internet. “Ainda estamos investigando a veracidade disso”, disse delegado.
CDs, DVDs, pen drives e câmeras fotográficas foram apreendidos. Mas as provas mais simbólicas do crime são as calcinhas com motivos infantis
O crime chocou ainda mais porque Edvaldo chegou a trabalhar oito anos no Centro de Referência de Assistência Social (Creas) que, entre outras coisas, trabalha com crianças e adolescentes e, no caso de Santo Amaro, fica no mesmo prédio do Conselho Tutelar do município.
Tido na cidade como um homem de bem, Edvaldo é bastante conhecido, já que fazia fotos de eventos e, ultimamente, trabalhava no Memorial Edith do Prato, organização cultural pertencente à Câmara de Vereadores, que homenageia a percussionista e cantora santo-amarense. “Não havia nada que desabonasse sua conduta. Articulado com a cultura, fazia fotos dos eventos que produzia”, contou o chefe do Serviço de Investigação (SI), José Roberto Paim.
Fetiche
Ao CORREIO, olhando para as marcas do seu próprio crime, Edvaldo se disse “um doente”. “É como usar drogas. Comecei a fazer e não consegui parar. Pensei em pedir ajuda. Acho que é uma doença”, afirmou, aparentemente tranquilo.
Insistindo que não cometeu estupro com sexo, ele argumentou que foi movido por um fetiche. “Me satisfazia com as fotos. Nunca nem me masturbei”, garantiu, reconhecendo que, em 15 anos, deu um beijo em uma das vítimas.
Casado, pai de dois filhos, Edvaldo negou que atraía as adolescentes com promessas de trabalho como modelo. Mas uma das vítimas confirmou as promessas. Hoje com 14 anos, a menina foi fotografada aos 12. “Disse que uma agência estava interessada por alguém do meu tipo físico. Fiz algumas fotos com roupa. Depois, falou que a Avon (empresa de cosméticos) se interessou por um ensaio com lingerie. Quando vi, tava posando só de calcinha”, contou.
Tão estranha quanto a prática de Edvaldo foi o que, segundo o próprio, desencadeou seu desejo de fazer imagens de crianças nuas. Ele diz que se inspirou no livro Anjos Proibidos, do fotógrafo carioca Fábio Cabral. Lançado em 1991, com 25 fotos de crianças e adolescentes seminuas, o livro foi retirado das livrarias. “Achei inusitado e resolvi imitar”, concluiu.
Delegado quer preso fora de Santo Amaro
A permanência de Edvaldo Nascimento dos Santos em Santo Amaro é considerada arriscada, já que a cidade está revoltada com o crime. “Toda hora chega um pai e uma mãe aí chorando com suas filhas. A cidade está em polvorosa”, disse o chefe do SI da delegacia, José Paim. Por motivos de segurança, o delegado José Antonio Teixeira enviou ofício à comarca da cidade solicitando a transferência do pedófilo para Salvador, pelo receio de uma investida “com pretensão de Justiça com as próprias mãos”. Até o início da tarde de ontem, Edvaldo estava sem advogado. “Acho difícil algum colega pegar o caso”, disse um defensor na delegacia. Mas uma advogada aceitou o serviço. Uma ex-colega do Creas, onde o acusado trabalhou, disse que todos estavam surpresos.
O Memorial Edith do Prato, onde Edvaldo trabalhava ultimamente, já havia fechado quando a reportagem chegou.
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