Ascom/Ministério Público do Estado da Bahia
As políticas públicas definem o modo como viveremos e como nossas crianças crescerão. Desta maneira, elas não podem ser elaboradas apenas pelos gestores, sem a participação da sociedade e sem diálogo. Apenas a existência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não pode garantir a transformação da realidade das crianças e adolescentes do nosso país. Suas previsões precisam sair do papel, se tornarem realidade. E sem previsão orçamentária, isso nunca acontecerá. Estes foram alguns dos pontos comuns abordados no do ‘I Ciclo Preparatório para os 21 Anos do ECA: Lugar de Criança é no Orçamento’, em Vitória da Conquista, pelo procurador-geral de Justiça Wellington César Lima e Silva, pelo reitor da Universidade Estadual do Sudoeste (Uesb), Paulo Roberto Pinto Santos e pelo promotor de Justiça Millen Castro.
“Poderíamos sintetizar o significado desse encontro em três palavras: participação, protagonismo e orçamento”, disse o chefe do Ministério Público baiano ao abrir o evento. Segundo ele, a participação popular é o que dá substancialidade a uma democracia, que a torna real e não apenas um simulacro de democracia. “Vivemos numa quadra de muita perplexidade no país no que diz respeito à qualidade da nossa representação política. E a única forma de produzirmos um salto qualitativo nesse domínio não é com uma atitude simplificadora, nem tampouco com a atitude de abdicar de participar da cena”, ressaltou o procurador-geral de Justiça, afirmando que a atividade política é uma necessidade do viver em sociedade, por isso as pessoas devem despir-se de preconceitos e serem motivadas à aproximar-se do fenômeno político, cobrando as necessárias políticas públicas.
“Alguns ideais reclamam mais que participar; é preciso protagonizar. E o papel do Ministério Público é este que está sendo exercido aqui (nesse evento). O MP não pode ser tutor da sociedade e nem deve pretender sê-lo. Ele deve estimular que a sociedade se organize cada vez mais e melhor. Este é o papel do Ministério Público: entronizar a sociedade no debate das principais questões da cidadania”, salientou Wellington César. Ainda de acordo com o PGJ, o ECA é um dos diplomas legais mais avançados do mundo, mas “de nada adianta ter uma boa lei se não tivermos vontade política e condições materiais de implementá-la totalmente”. Segundo ele, a existência de um marco legal como o ECA é apenas um ponto de partida. O ponto de chegada é a efetivação desses direitos, “que somente se viabilizará na medida em que tivermos as condições materiais necessárias. Por isso é fundamental que exista a previsão orçamentária”. E, para que isso ocorra, é preciso que as pessoas que trabalham nessa área estejam familiarizadas com o tema, afirmou o procurador-geral de Justiça. “A importância prática desse evento é essa: consolidar uma reflexão com uma ação”, concluiu.
Esse “papel de articulador social”, acrescentou o promotor de Justiça Millen Castro, foi conferido ao Ministério Público pela Constituição Federal de 1988. E, segundo ele, esse papel deve ser ainda mais incisivo na área da infância e juventude. Por isso, explicou, “este evento não é de capacitação, mas de convocação, articulação e sensibilização. A ideia é que todos saiam daqui instigados a estudarem e a trabalharem com a questão do orçamento”, disse o coordenador do Núcleo de Apoio para Implantação, Estruturação e Fortalecimento dos Conselhos de Direitos, Tutelares e Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (Naic). O promotor de Justiça lamentou a ausência de prefeitos e vereadores no evento – que conta com cerca de 400 pessoas – e afirmou que é preciso “quebrar a caixa preta do orçamento”. “Eu gostaria de ouvir porque os prefeitos e vereadores não estabelecem, no orçamento, a prioridade absoluta para a infância e juventude”, frisou Millen Castro. “E a resposta é: porque não houve provocação da sociedade”. Segundo ele, a participação popular prevista na Constituição só vai-se efetivar quando realmente os conselhos de direitos forem fóruns de discussão.
O promotor de Justiça informou, ainda, que o Naic está fazendo um diagnóstico para saber como é a estrutura e como estão funcionando todos os Conselhos Tutelares e de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCAs) da Bahia, que dará uma dimensão de como é a atuação dos municípios nessa área. Ele lamentou que muitos conselhos tutelares ainda estejam utilizando o Ministério Público como “muletas”, não assumindo o seu protagonismo no papel de defesa das crianças e adolescentes, e o fato de que os CMDCAs não assumirem o papel de elaboração das políticas públicas para a infância e juventude. Como resultado, explicou Millen, na maioria dos municípios são os prefeitos e vereadores que definem, sozinhos, essas políticas, “porque a sociedade ainda não assumiu o papel de protagonista na sua elaboração”.
Também participaram do evento o coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça, juiz Cláudio Daltro; o procurador do Trabalho Marcos de Jesus; a secretária municipal de Assistência Social de Vitória da Conquista, Nádia Márcia Campos; o presidente da Fundacem, César Montes; o presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Vitória da Conquista, Guttenberg Macedo Júnior, dentre outros.
A primeira palestra do evento, sobre ‘Intervenção judicial sobre o orçamento público e a prioridade absoluta na Infância e Juventude’, foi feita pela procuradora do Trabalho Rosângela Lacerda, e teve como debatedor o promotor de Justiça da Infância e Juventude de Vitória da Conquista, Marcos Coelho, e como moderador o advogado do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente da Uesb, Michael Alencar Lima. Abrindo os debates sobre o tema, Marcos Coelho chamou atenção para duas previsões constitucionais (do art. 204, que trata das ações governamentais na área da assistência social) que passam despercebidas de todos: a questão da descentralização político-administrativa e a participação popular, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.
Segundo o promotor de Justiça, a Constituição Federal previu esta democracia participativa porque quis assegurar que, cada vez mais, a sociedade civil seja protagonista nas decisões sobre as políticas públicas. Mas, lamentou Marcos Coelho, há uma má vontade da maioria dos participantes dos conselhos de direitos em participarem das reuniões do CMDCA. “A política pública na área da Infância e Juventude está sendo discutida ali naquele palco. Se a sociedade não assumir o seu papel, o que vai ocorrer? O chefe do poder político vai ‘deitar e rolar’, e tomara que ele seja uma pessoa séria. Mas se ele fizer qualquer coisa errada, qual a moral que nós da sociedade teremos para poder criticar se nós não participamos na instância correta?”, protestou o promotor de Justiça, conclamando todos a participarem ativamente desses conselhos, até para legitimar a atuação do Ministério Público. “Se vocês não ocuparem os Conselhos e acharem que eles são coisa muito séria e continuarem se omitindo no seu município, nada vai mudar. Vocês podem participar de dezenas de ciclos, ouvir dezenas de palestras, mas nada vai mudar!”, concluiu.
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