quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Fundação Casa mantém despreparo, falta de estrutura e tradição opressora da velha Febem

Nas últimas semanas, a Fundação Casa voltou ao noticiário com a divulgação de fugas, torturas e rebeliões. As imagens de colchões queimando no pátio ou de adolescentes acuados seminus apanhando é de certa maneira comum no imaginário social. Entretanto, era algo associado à Febem (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor), extinta em 2006 e substituída pela Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente). Baseado na mudança de nome, talvez causasse surpresa ver essas questões de volta à mídia. Mas, afinal, o que aconteceu nos últimos seis anos?
Um dos problemas que permaneceu é a falta de abertura da instituição para o controle externo. Seus prédios mudaram, mas o caráter fechado, não. A transparência e o aumento de intercâmbio entre a Fundação Casa e a sociedade são destacados por Ariel de Castro Alves, advogado e presidente da Comissão de Infância e Juventude da Ordem dos Advogados do Brasil de São Bernardo do Campo, como pontos fundamentais para melhorar a condição dos centros de internação. “Há a necessidade de a Fundação Casa aceitar a fiscalização das organizações da sociedade civil, dos conselhos tutelares e dos conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente”, explica .
O advogado afirma que um modelo mais aberto, com entidades parceiras, seria benéfico para a instituição. “Isso ajudaria a evitar situações de tortura e maus tratos, como as que foram denunciadas recentemente”, complementa.
O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que regulamenta a aplicação das medidas aos adolescentes infratores, prevê a integração das medidas socioeducativas com o sistema de proteção ao adolescente e à família, mas o que se vê é a falta de ligação entre a Fundação e a rede de assistência social e de saúde pública. “É a própria tradição opressora da instituição que acaba não gerando a integração com as entidades da sociedade civil e com os sistemas de educação e saúde”, complementa. 

Algumas mudanças pontuais
Relatórios realizados por órgãos ligados ao Judiciário e especialistas entrevistados pelo Promenino convergem em reconhecer mudanças, mas indicam que ainda há muito a se fazer na instituição.
O principal ponto positivo foi a descentralização do sistema e a construção de unidades menores. Em 2005, 82% dos adolescentes internados no estado estavam concentrados em unidades da capital. A maior delas, o complexo do Tatuapé, chegou a abrigar 20% do total de adolescentes detidos à época. “A política de descentralização da instituição foi importante para lidar com a alocação de jovens. Nós tínhamos um complexo como o do Tatuapé que chegou a ter quase 1900 jovens. Estava provado que aquele modelo não dava certo”, relata o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Entidades de Assistência e Educação à Criança, ao Adolescente e a Família do estado de São Paulo, Julio Alves.
Atualmente, são 148 centros de internação espalhados pelo estado, com diferentes capacidades, que podem atender a até 170 internos. No entanto, Julio defende uma maior descentralização. “Há unidades com 150 adolescentes, temos dito que é difícil realizar a medida socioeducativa com esses números. Se isso se mantiver, não conseguiremos reinseri-lo na sociedade”, explicou o presidente.
Ainda que novas e menores unidades tenham sido construídas no estado, na capital houve apenas a adaptação de grandes complexos que foram subdivididos, mas ainda mantém certa centralização. Para Alves, também membro do Movimento Nacional dos Direitos Humanos, é necessário “abolir os grandes complexos, como o da Raposo Tavares, que possui várias unidades que funcionam de forma conjunta. Os internos se comunicam, os funcionários se comunicam. É um modelo ultrapassado, inadequado e que contraria o Sinase”.
Tanto Ariel quanto o sindicato defendem que se cumpra a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, de 1996, que determina que em cada unidade não devam ser atendidos mais do que 40 internos. De acordo com relatório de 2013 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), 93% dos centros de internação possuem capacidade acima do previsto em São Paulo.
Outro ponto crítico da Fundação Casa é o não cumprimento da determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que diz que os internos devem ser separados de acordo com a gravidade cometida. Para o promotor de Infância e Juventude do Ministério Público, Matheus Jacob Fialdini, essa é uma questão preocupante. “Adolescentes que são primários tem uma chance de o Estado oferecer uma resposta mais rápida, coibindo muitas vezes um mal no começo, mas eles são misturados a adolescentes que já estão envolvidos no meio infracional e que podem de alguma forma incutir pensamentos não muito producentes no processo de ressocialização”, explica o promotor.

Cuidadores também abandonados
Além da questão da estrutura dos centros de internação, outros problemas apontados como centrais na Fundação Casa são as condições de trabalho dadas aos servidores e a falta treinamento. Além disso, há uma insuficiência na quantidade de trabalhadores. “Vemos agentes desestimulados, despreparados, sem capacitação. Nas visitas, o funcionário se avalia despreparado, ele admite que não tem curso, treinamento, não tem uma terapia”, relata Fialdini, responsável por visitar bimestralmente 13 centros de internação da capital.
Já o presidente do Sindicato relata que a capacitação dada pela Fundação é “muito aquém” diante da complexidade do atendimento. “É necessário uma capacitação permanente e periódica. Não dá pra ser como hoje, tem servidor há anos sem formação nenhuma”, complementa Alves.
Além da capacitação, ressalta-se também a necessidade de dar uma estrutura adequada de trabalho aos agentes. Alves relata que atualmente há 1400 servidores afastados por problemas psiquiátricos e destaca a falta de atenção dada aos agentes que enfrentam uma situação de rebelião. “É necessário que a instituição dê um acompanhamento para que ele possa amenizar o trauma de maneira eficiente. E o que acontece na prática é o abandono do servidor. Ele tem o trauma da rebelião e tem a revolta do abandono da instituição a que ele serve”, afirma Alves.
Para Fialdini, “a ressocialização só acontece quando o funcionário está preparado para dar essa contribuição”. A avaliação é compartilhada pelo presidente do Sindicato: “A gente vê muita revolta no meio dos servidores por essa falta de cuidado. Sem esse cuidado, não há muita coisa que ele possa dar ao adolescente”.

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