terça-feira, 23 de novembro de 2010

Posso dar um start.

Foto: Itapetinga Agora




Você não é personagem de videogame e não tem vida extra.

Imagine que você tem uma vida extra. Você poderia extrapolar todos seus limites e recomeçar tudo, com moderação. Só que você não é personagem de videogame. Os estudantes Ana* e Fábio* descobriram isso a tempo. Pararam de usar crack antes do jogo terminar. Aluna de colégio particular da Capital, ela está há cinco meses limpa. Ele estuda em colégio público e está internado há 15 dias, em uma clínica da Capital. Os dois aceitaram responder a perguntas do Kzuka, por e-mail, para contar por que não vale a pena entrar nessa. 
Você sabia?
- 66% dos adolescentes dependentes químicos (drogas e ácool) têm outra doença associada, como depressão ou Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)
- Há 4 anos, não havia nenhum usuário de crack hospitalizado no Hospital Mãe de Deus, na Capital. Hoje, eles ocupam 40% dos leitos
- Em um ano, 52% dos meninos viciados em crack que vivem nas ruas de São Paulo entrevistados pela Unifesp morreram

Kzuka – Quando você experimentou o crack, tinha noção do seu alto poder de destruição? 

Ana* – Sim, quando experimentei, todo mundo dizia isso, mas não levei muito em conta. Hoje, acho que até contou ser uma droga com mais poder de destruição, assim, eu seria mais eu. “Comigo o bicho não pega”, pensei.

Fábio* – Quando usei pela primeira vez, eu não sabia que fazia tão mal. Quando fui perceber, já estava viciado. Daí, fui saber a quantidade de porcaria que tem na pedra, gasolina, esmalte, cimento...

Kzk – Como a droga lhe foi apresentada? Seus amigos usam ou usavam?

Ana* – Eu tinha bebido e tava de olho no guri que me apresentou. Acho que isso diz tudo.

Fábio* – Fumava maconha diariamente. Um dia, resolvi misturar com a pedra porque me disseram que era melhor. Estava na casa de um amigo e saí para comprar. Virou diário o uso, fora de controle. Quase todos meus amigos usam, mas fumo sozinho. Eles ficam na rua, eu não. Acho que é por vergonha, medo de que meu pai me pegasse ou soubessem que eu era um drogado.

Kzk – Quando você experimentou drogas pela primeira vez? E álcool?

Ana* – Álcool com 12 ou 13. Maconha com 15. Aos 15 e 16, eu mandava ver cerveja nas festas. 

Fábio* – O crack eu comecei em 2008, mas, o álcool foi há muito tempo, aos 11 anos. O primeiro porre foi aos 14 anos.

Kzk – Como você se sente hoje? 

Ana* – Hoje, sei que poderia ter perdido o trem da vida. A sorte esteve do meu lado. Tô viva. Fisicamente, tô recuperada. Psicologicamente, ainda é difícil. Quando bate a fissura, ninguém me aguenta.

Fábio* – Quando eu usava a droga, me sentia bem. Resolvi um monte de problemas, me sentia legal. Depois, eu fiquei muito mal, muito fraco, comecei a destruir a família, eu mesmo. Agora que eu tô me tratando, tô me sentindo muito melhor, me recuperando.

Kzk – Como estão os estudos, chegou a interrompê-los? No colégio, sabem da sua situação?

Ana* – Atrasei a 3ª série do Ensino Médio, ano que usei crack. Matava muita aula no final, mas, este ano, sei que vou passar. Se meus pais não tivessem contado na escola sobre o crack, acho que só saberiam que eu usei drogas, e até aí, muita gente usa. Meus pais “botaram na roda”. Fiquei muito revoltada. Agora, acho que foi bom.

Fábio* – Eu não interrompi os estudos, só agora para me tratar. Mas piorei muito na escola. Quando usava drogas, as notas baixaram, não queria estudar. A escola sabe que eu tô me tratando, porque o pai levou um atestado, mas só alguns amigos meus sabem.

Kzk – Como se deu o início do tratamento? 

Ana* – Meus pais me levaram nuns quantos psicólogos e eu não aceitava. Diziam que era pra me internar à força. Como a Amy Winehouse, eu dizia “No, no and no”. Um amigo me levou pro grupo de Narcóticos Anônimos e deu certo.

Fábio* – Minha mãe me aconselhou. Depois que eles souberam, conversaram comigo, daí eu pensei bastante e resolvi me internar.

Kzk – Como seus pais ficaram sabendo que você usava a droga? 

Ana* – Meus pais dizem que foi um telefonema anônimo, mas eu negava, negava, negava. Até que não deu mais pra negar...

Fábio* – Eu escondia deles. Quando eu tava usando maconha, eles souberam por causa do cheiro e dos olhos vermelhos. Com o crack, começou a sumir coisas de casa. Eu tava levando dinheiro, calçados, roupa.

Kzk – O que diria para jovens da sua idade que nunca experimentaram crack? E para quem usa outras drogas e bebe exageradamente nas festas? 
Ana* – Nunca cheguem nessa parada. Atrasa tudo. Atrasa a vida. A cerveja ou outra bebida com álcool qualquer é uma roubada. Teria muito pra dizer, mas cada um cuida ou descuida da sua própria vida.

Fábio* – Eu diria que não é bom. Pensem duas vezes antes de usar. O cara perde o controle, pode achar que é forte, mas sempre perde o controle, destrói a pessoa, a família. A droga é muito ruim. Quando tu usa uma droga por bastante tempo, tu quer usar outra. Então, não usem nenhuma droga. Tu não precisas encher a cara para curtir uma festa.

Não dê o start nesse jogo:

Start Poucos começam no crack sem ter antes experimentado outras drogas, como maconha ou cocaína. Quem fuma um baseado de vez em quando e acha que está tudo bem, que a droga é inofensiva, está enganado. A verdade é que a maconha causa danos no cérebro, como perda de memória e dificuldade de expressão. Antes ainda, o exagero no álcool pode ser o primeiro passo da gurizada no mundo das drogas.

A experimentação 
Para ser considerado dependente químico, o usuário precisa apresentar uma crise de abstinência. Isso pode acontecer a partir da primeira vez, se mais de uma pedra for fumada. Normalmente, a droga é apresentada por amigos e atrai pelo baixo preço (uma pedra custa em torno de R$ 5). Antes do usuário perceber, já está cometendo pequenos delitos, em casa e nas ruas, para sustentar seu vício.

O tratamento 
Apoio familiar e força de vontade do paciente são fundamentais. Após a internação, é feita uma avaliação e tratamento com remédios – pra controlar a fissura – e psicoterápico individual ou em grupos, utilizando técnicas que desenvolvem estratégias de enfrentamento em situações de risco, como festas com uso de drogas.
Bônus 
Você pode se tratar corretamente, tomando remédios e frequentando grupos de ajuda e seguir sua vida normalmente. Ou passar para a próxima fase...

A recaída
Diferentemente dos bonequinhos de videogame, você tem apenas uma vida. Sim, já dissemos isso antes, mas, às vezes, parece que é preciso lembrar. Não existem números oficiais, mas especialistas afirmam que o índice de recuperação é baixo, e as recaídas são frequentes entre os pacientes que deixam as clínicas. Voltar a andar com as mesmas pessoas é uma roubada.

Game over 
Quanto mais o usuário fuma, mais precisa para se satisfazer. Se você chegou aqui, difi cilmente, vai sair... É triste, mas é real. Muita gente morre por causa da droga. Diretamente, pelos danos causados no organismo, ou indiretamente, como em conflitos com a polícia, brigas entre gangues e cobrança de traficantes. A pedra joga o adolescente em um universo de violência do qual é difícil sair vivo.


Conselho Tutelar de Itapetinga

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