sexta-feira, 12 de julho de 2013

Inclusões em ‘lista suja’ reforçam o elo entre escravidão e trabalho infantil

Atualização de cadastro federal com empregadores que utilizaram mão de obra escrava tem pelo menos oito nomes de empregadores que também se beneficiaram da exploração de crianças e adolescentes, em atividades consideradas entre as piores formas de trabalho infantil
Muitas vezes, fiscalizações que investigam o uso de mão de obra escrava encontram também casos de trabalho infantil. Crédito: Leonardo Sakamoto
Serviços forçados, submissão a condições degradantes de vida, jornadas exaustivas, restrições à liberdade de ir e vir e todas as demais situações características da escravidão contemporânea não são formas de violência que têm por alvo exclusivo homens e mulheres adultos. Fiscalizações com o objetivo de investigar o emprego de mão de obra análoga à escrava também encontram com frequência crianças e adolescentes sujeitas a tais violências. De acordo com levantamento da Repórter Brasil, a atualização ocorrida em 28 de junho do cadastro de empregadores flagrados explorando pessoas em condição análoga à de escravatura, a chamada “lista suja” do trabalho escravo, contém, num total de 142 novos nomes incluídos, a participação de pelo menos oito deles em casos de exploração laboral infantil. Mantida em conjunto pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), a relação é considerada uma das mais importantes ferramentas na luta pela erradicação da escravidão contemporânea no Brasil. No total, a “lista suja” do trabalho escravo conta com 503 nomes (clique aqui para ver a tabela completa). A relação vem sendo atualizada semestralmente, desde o final de 2003, e reúne empregadores flagrados pelo poder público na exploração de mão de obra em condições análogas à escravidão. O cadastro tem sido um dos principais instrumentos no combate à prática, através da pressão da opinião pública e da repressão econômica. Após a inclusão do infrator, instituições federais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES suspendem a contratação de financiamentos e o acesso a crédito. Bancos privados também estão proibidos de conceder crédito rural aos relacionados na lista por determinação do Conselho Monetário Nacional.
A inclusão de oito empregadores flagrados com o uso da mão de obra de crianças e adolescentes entre os 142 novos nomes reforça o elo entre as formas contemporâneas de escravidão e o trabalho infantil. Segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicado em 2011, cerca de 90% do montante de adultos sujeitos à escravatura em território brasileiro até aquele momento haviam começado a trabalhar antes dos 16 anos de idade.
Crédito: Marinalva Cardoso Dantas - SRTE/RN
Lista TIP e trabalho escravo
Em alguns dos casos em que a exploração infantil ocorre concomitante às formas de escravidão contemporânea, os serviços desempenhados por jovens, não raro, coincidem, por um lado, com aquelas descritas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP). Com as bases lançadas em 1999 pela Convenção 182 da OIT, a Lista TIP passou a valer no país em 2008, a partir do decreto número 6.481, assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na relação, constam 89 atividades, com suas descrições e consequências para a saúde de crianças e adolescentes que as desempenham.
A legislação brasileira define o emprego de escravos como crime, previsto no artigo 149 do Código Penal. E, quando a prática incide sobre crianças e adolescentes, a pena aos infratores é mais severa. Para aqueles que utilizarem de mão de obra escrava, espécie de violação dos direitos humanos no interior das relações trabalhistas, a punição prevista é a de prisão por um período de até oito anos, além de multa, conforme a gravidade da violência praticada.
Nas recentes inclusões no cadastro federal de empregadores com trabalho escravo há a ocorrência, por mais de uma vez, de alguma das piores formas de exploração infantil previstas na Lista TIP.
Suja, e nas piores formas
Adelson Souza de Oliveira está na “lista suja” do trabalho escravo devido ao flagrante de quatro trabalhadores em situação análoga à de escravo, ocorrido em 2007, na Fazenda Verena II, no município de Novo Repartimento, no Pará. À época, o empregador era o então prefeito da cidade de Iaçu, na Bahia, pelo PMDB. Um pai e seus três filhos, um deles com menos de 17 anos, eram responsáveis pela limpeza do pasto do rebanho bovino criado na propriedade. Segundo a Lista TIP, a atividade desempenhada pelo adolescente, na ocasião, poderia lhe provocar cortes, perfurações e lhe expunha ao risco de doenças ou outros acidentes, pelo contato próximo a animais.
Crédito: SRTE/MA 
No desempenho de serviços semelhantes, e sujeito aos mesmos riscos, um grupo de sete pessoas, entre as quais crianças, foi resgatado da escravidão, em 2012, em uma área pertencente à empresa Líder Agropecuária – incluída na “lista suja” e que tem como um dos sócios o deputado estadual Camilo Figueiredo (PSD/MA). A água que o contingente libertado utilizava, para banho e consumo, era a mesma da qual os animais da Fazenda Bonfim, na zona rural de Codó, no Maranhão, bebiam. O parlamentar maranhense, no entanto, não é o único político nessa situação. O deputado federal Urzeni de Rocha Freitas Filho (PSDB/RR) consta na “lista suja”, acrescido também ao fato de ter se beneficiado de trabalho infantil, segundo o Ministério Público Federal em Roraima (MPF/RR).
Entre um grupo de 16 resgatados sob responsabilidade de Sérgio Luiz Xavier, havia um adolescente com 16 anos de idade responsável pela aplicação de agrotóxicos. Conforme a Lista TIP, esse tipo de serviço, em contato com venenos, pode provocar desde problemas respiratórios até, em casos mais graves, doenças cardíacas. Então proprietário da Fazenda Terra Roxa, localizada em Cumaru do Norte, no Pará, o empregador entra para a “lista suja” por conta desse flagrante de trabalho escravo ocorrido durante o ano de 2006.
Outro episódio em que os empregos de trabalhos infantil e escravo aconteceram conjuntamente foi tema de reportagem publicada este ano. Juntamente a um grupo de 34 resgatados, todos imigrantes vindos do Paraguai, sete adolescentes trabalhavam na colheita de mandioca, na Fazenda Dois Meninos, de propriedade de Cleber Geremias, em Naviraí, no Mato Grosso do Sul. Na ocasião, depois de libertados da condição de escravo, a Polícia Federal (PF) notificou os estrangeiros a deixar o país. A ação da PF foi alvo de polêmica e contrariou medidas de acolhimento a migrantes vítimas da escravidão, ratificadas pelo Estado brasileiro.
Fonte: ProMenino

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