sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Algumas considerações sobre a Composição do Conselho Tutelar

Por: Murillo José Digiácomo
Em razão de minhas atribuições junto ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná, tenho recebido com frequência informações e questionamentos acerca de uma situação que tem se mostrado recorrente não apenas nesta Unidade da Federação, mas também em todo o Brasil: o funcionamento do Conselho Tutelar com um número de integrantes inferior ao legal, que como sabemos na forma do disposto no art.132 da Lei nº 8.069/90 é igual a 05 (cinco). Tal situação altamente irregular, que a meu ver coloca em xeque a própria existência do Órgão enquanto colegiado que é, comprometendo assim sua legitimidade e representatividade popular, bem como a legalidade e eficácia de suas ações [2], ocorrem pelas mais diversas razões, sendo as mais comuns:
a) a previsão, já na própria Lei Municipal que cria o Conselho Tutelar, que este será composto por um número de membros inferior ao fixado pela citada Norma Federal ou, como é mais usual, o estabelecimento naquela legislação de um tratamento diferenciado entre os conselheiros tutelares, de modo que apenas um (o “presidente” do Órgão, sempre o candidato mais votado), ou alguns deles, são subsidiados pela municipalidade, exercendo integralmente as atribuições do Órgão, ficando a atividade dos demais restrita aos “plantões”, à participação em diligências e/ou às “sessões deliberativas” (que quase nunca ou nunca de fato ocorrem);
b) o progressivo desligamento, por renúncia ou outros fatores, dos conselheiros tutelares titulares e a inexistência, insuficiência ou desinteresse dos suplentes para assunção de suas funções.
No primeiro caso, verifica-se a ocorrência da própria inconstitucionalidade da Lei Municipal, seja por ter ela extrapolado o âmbito de sua competência legislativa, seja por afronta direta às próprias regras e princípios legais e constitucionais aplicáveis à matéria.
Com efeito, primeiramente devemos considerar que, ao tratar da competência para legislar sobre “proteção à infância e juventude” (verbis), o art.24, inciso XV da Constituição Federal, permitiu a concorrência entre a União, os Estados e o Distrito Federal, tendo propositalmente deixado de fora os municípios como entes legitimados para tanto, como se pode aferir também do rol de matérias que são de competência legislativa do município, constante do art.30 da mesma Carta Magna.
A competência legislativa do município em circunstâncias como a acima versada é estabelecida segundo a regra contida no art.30, inciso II da Constituição Federal, cujo teor é o seguinte:

Art.30. Compete aos Municípios:

I – (omissis);

II – SUPLEMENTAR a legislação federal e estadual NO QUE COUBER...” (verbis – grifei).

A clareza cristalina do permissivo constitucional acima transcrito não deixa dúvidas que, em havendo legislação federal (ou estadual) específica acerca de determinada matéria[3], a competência legislativa do município será sempre suplementar, e ocorrerá apenas ante a omissão do texto legal respectivo, não podendo alterar o conteúdo ou a essência da matéria regulada.
O dicionário[4] define o verbo suplementar como sendo o ato de “acrescer alguma coisa a, suprir ou compensar a deficiência de”, não significando em hipótese alguma, substituir ou alterar a matéria suplementada.
Juridicamente falando, por óbvio também não é possível que o município, usando de sua competência legislativa suplementar, modifique disposições expressas ou mesmo tácitas contidas na legislação federal ou estadual respectiva ou subverta seus fundamentos e objetivos, somente podendo a regulamentação suplementar atingir aquilo nela não previsto.
Em outras palavras, a Constituição Federal não confere ao município a competência para legislar em desacordo com a legislação federal ou estadual, sendo inadmissível que a legislação municipal suplementar venha a revogar, expressa ou tacitamente, aquela regulamentação original ou de qualquer modo venha a afrontar os princípios que a inspiram e norteiam.
Assim sendo, é elementar que a legislação municipal que trata dos Conselhos Tutelares deve ser fiel à legislação federal correspondente, no caso a Lei Federal nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, somente podendo incidir naquilo por ela não regulado e sem contrariar qualquer de suas disposições e princípios, sob pena de nulidade absoluta.
Dada disposição clara e soberana da citada Lei Federal no que concerne à composição invariável do Conselho Tutelar, não há margem alguma para que a legislação municipal disponha de maneira diversa acerca do número de conselheiros tutelares em exercício, que será sempre de 05 (cinco), para cada Órgão que for criado.
E se a Lei Federal nº 8.069/90, em seu art.132 teve o cuidado de estabelecer que o Conselho Tutelar, cuja criação e manutenção é obrigatória em cada município, deve ser invariavelmente composto de 05 (cinco) membros, é deveras elementar que desejou o legislador que todos exercessem as mesmas funções, em absoluta igualdade de condições, pois quisesse ser flexível no número de componentes do órgão ou a eles conferir um tratamento diferenciado, o teria feito de maneira expressa, como aliás fez no que diz respeito à “remuneração” dos conselheiros tutelares, que por força do disposto no art.134, caput do mesmo Diploma Legal, é apenas facultativa.
O número fixo de 05 (cinco) integrantes para cada Conselho Tutelar em atividade no município, assim como o tratamento igualitário entre todos os integrantes do Órgão, que obviamente devem exercer as MESMAS funções, se constitui em verdadeira conditio sine qua nom para o funcionamento válido e para própria existência do Órgão Tutelar como tal considerado.
O entendimento supra decorre da elementar constatação de que, se a lei prevê que o Conselho Tutelar seja obrigatoriamente composto por cinco membros, e a população escolhe cinco para o desempenho da mesma função, não há razão alguma para que seja dado um tratamento diferenciado entre os escolhidos, aos quais deve ser assegurada absoluta IGUALDADE de direitos e deveres, única forma de fazer com que o Órgão preste um atendimento minimamente adequado à população local.
Jamais podemos perder de vista que o Conselho Tutelar é um órgão colegiado, que verdadeiramente substitui as funções do Juiz da Infância e Juventude no que diz respeito à aplicação de medidas de proteção a crianças, adolescentes e famílias (inteligência dos arts.131, 136 e 262 da Lei nº 8.069/90), sendo absolutamente autônomo notadamente face o Poder Executivo local.
Não pode, assim, ser o Conselho Tutelar considerado uma espécie de “programa de atendimento da prefeitura”, nem os conselheiros tutelares serem tratados como funcionários públicos[5] comuns (quando não de “segunda categoria”) que, agindo isoladamente, cumprem expediente e prestam atendimento à população.
O Conselho Tutelar é muito mais do que isso, devendo o Órgão, como um todo (e com TODOS os seus CINCO integrantes), atuar de forma itinerante e preventiva, saindo à busca de situações que representem simples ameaça aos direitos de crianças e adolescentes, e tomando providências para evitar venham a resultar em violação destes mesmos direitos.
O conselheiro tutelar, por sua vez, exerce uma atividade que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente define como sendo um “serviço público relevante” (art.135 – verbis), merecendo ser enquadrado no conceito de agente político assim definido pelo saudoso HELY LOPES MEIRELLES:
“AGENTES POLÍTICOS: São os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. Esses agentes atuam com plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas pela Constituição e em leis especiais. Não são servidores públicos, nem se sujeitam ao regime jurídico único estabelecido pela Constituição de 1988. Têm normas específicas para sua escolha, investidura, conduta e processo por crimes funcionais e de responsabilidade, que lhe são privativos.
“Os agentes políticos exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, (…), decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência. São as autoridades públicas supremas do Governo e da Administração na área de sua atuação, pois não estão hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais e de jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade funcional, equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos (…).
“Realmente, a situação dos que governam e decidem é bem diversa das dos que simplesmente administram (…). Daí porque os agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior resguardo para o desempenho de suas funções (…)” (In Direito Administrativo Brasileiro. 22ª Edição. Malheiros Editores, São Paulo, 1997, págs.72/73).
Nesse contexto, em função da relevância do papel do Conselho Tutelar para a perfeita integração do Sistema de Garantias idealizado pelo legislador Estatutário, não é difícil perceber que qualquer regra local que tente quebrar ou burlar o comando emanado da Legislação Federal, máxime quando procura enfraquecer ou comprometer a eficácia do trabalho do Órgão Tutelar enquanto colegiado e/ou de seus membros, padece do vício insanável da nulidade, por inconstitucionalidade manifesta resultante da falta de competência legislativa do município e também por afronta à DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL e ao PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA à área infanto-juvenil, insculpidos no art.227, caput da Carta Magna.
Mais uma vez, diante das regras e princípios soberanos do Estatuto da Criança e do Adolescente, não fica margem alguma para que a legislação municipal disponha de maneira diversa acerca do exercício das funções dos membros do Conselho Tutelar, máxime quando isto irá comprometer sobremaneira o atendimento da população infanto-juvenil local através da redução do número de conselheiros que irão, de fato, exercer as atribuições do Órgão em sua integralidade.
Mesmo quando a Lei Municipal aparentemente não altera o número de conselheiros tutelares, prevendo, por exemplo, que alguns dos conselheiros (notadamente os não subsidiados) continuariam a exercer “funções deliberativas” ou “plantões”, não há como deixar de reconhecer que tal previsão legal representa uma burla ao disposto no citado art.132 da Lei nº 8.069/90, que consoante acima mencionado, foi intransigente no que diz respeito ao número de membros do Conselho Tutelar que, por óbvio, devem exercer suas relevantes atribuições de forma conjunta e absolutamente igualitária.
A propósito, vale mencionar que o tratamento desigual eventualmente dispensado pela Lei Municipal no que diz respeito ao exercício das atribuições dos “conselheiros subsidiados” e dos “conselheiros não subsidiados”, além de ferir o espírito da Lei nº 8.069/90 e as regras estabelecidas com vista à proteção integral de crianças e adolescentes, afronta diretamente também o PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA, insculpido no art.5º, caput e inciso I da Constituição Federal.
Com efeito, como dito acima, o Conselho Tutelar foi concebido como um órgão colegiado, no qual todos os seus CINCO membros, por força de Lei Federal, são igualmente encarregados “pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente” (art.131 da Lei nº 8.069/90 – verbis/omissis), tarefa que todos sabemos ser árdua e que exige o máximo de empenho de cada um.
Quis o legislador federal, como não poderia deixar de ser, que todos os conselheiros tutelares exercessem as mesmas atribuições em absoluta igualdade de condições, sem privilégio ou menoscabo das atividades de uns em relação aos demais.
Uma vez que, na forma da citada Lei Federal, todos os 05 (cinco) conselheiros tutelares são escolhidos pela sociedade para o desempenho das mesmas funções, o que como dito é absolutamente imprescindível para o adequado e válido funcionamento do Órgão, não pode o legislador municipal dispor de forma diversa, estabelecendo regras que venham a quebrar a igualdade com que todos devem atuar e serem tratados, sob pena de causar prejuízo direto às crianças e adolescentes que serão por eles atendidos.
Assim sendo, sob pena de afronta também ao princípio constitucional da isonomia, não pode a Lei Municipal, por exemplo, criar duas espécies de conselheiros tutelares que irão atuar no mesmo Órgão: os que exercem normalmente a integralidade das atribuições previstas na legislação Federal, sendo por tal atividade subsidiados pela municipalidade, e os que exercem “função apenas deliberativa” e/ou apenas “realizam plantões”, para o que nada receberão em contrapartida[6].
Em suma, por imperativos legal e constitucional, todos os conselheiros tutelares devem exercer as mesmas funções, sendo portanto merecedores de um tratamento rigorosamente igualitário: todos devem ter o mesmo horário de expediente normal diário, participar da mesma escala de plantões e, se for o caso[7], perceber os mesmos subsídios.
Não se trata, pois, de discutir se a concessão de subsídios aos conselheiros tutelares pela municipalidade é ou não obrigatória, matéria que é superada pela literal disposição do art.134, caput e in fine da Lei nº 8.069/90, que diz textualmente ser ela facultativa, mas sim reconhecer que, se a opção do legislador municipal for pela garantia dessa importante (e a nosso ver imprescindível) contrapartida financeira, deve ser ela estendida a todos os conselheiros tutelares, que por sua vez deverão exercer as mesmas atribuições, previstas na citada Lei Federal, em sua integralidade e em absoluta igualdade de condições.
A propósito da concessão de subsídios aos conselheiros tutelares, é preciso que se diga, que apesar de o citado art.134, caput e in fine, da Lei nº 8.069/90 não torná-la obrigatória, a extrema relevância de suas atribuições, somada às dificuldades encontradas no desempenho da função (inclusive sob o ponto de vista emocional), e a necessidade de seu exercício em regime de dedicação exclusiva, em tempo integral, com atuação de forma itinerante e preventiva, única forma de dar o mais completo e necessário atendimento à população infanto-juvenil local, verdadeiramente exigem a contrapartida financeira àquele que exerce a função, devendo os subsídios serem ainda fixados em patamar elevado.
A experiência tem demonstrado que em municípios onde o Conselho Tutelar não tem seus integrantes subsidiados pela municipalidade, o atendimento prestado é deficiente, assim como reduzido é o número de interessados em assumir a função, comprometendo desse modo a própria existência do Órgão a médio prazo, dada possibilidade de recondução dos conselheiros tutelares por uma única vez.
Evidente que é absolutamente inaceitável o sempre utilizado argumento de que “não existem recursos para subsidiar os conselheiros tutelares”, pois a garantia de prioridade absoluta que por mandamento constitucional deve ser destinada à área da infância e juventude por parte do Poder Público fulmina por completo a discricionariedade do administrador e, segundo comando legal expresso[8], importa na destinação privilegiada de RECURSOS PÚBLICOS, ex vi do disposto no art.4º, par. único, alínea “d” da Lei nº 8.069/90, que deverão ser utilizados inclusive para assegurar o regular funcionamento do Conselho Tutelar, com o pagamento de subsídios a todos dos conselheiros, tarefa que incumbe ao município em função do disposto no art.134, par. único do citado Diploma Legal.

b) No que diz respeito ao funcionamento do Conselho Tutelar com número de membros inferior ao legal em razão do progressivo desligamento, por renúncia ou outros fatores, dos conselheiros tutelares titulares e/ou a inexistência, insuficiência ou desinteresse dos suplentes para assunção de suas funções, é óbvio que são válidos todos os argumentos anteriormente expendidos, igualmente inadmissível que é possa o Órgão atuar desfalcado de seus 05 (cinco) integrantes regulamentares.
Mais uma vez é de se ressaltar que o Conselho Tutelar é um órgão colegiado, e somente como tal pode funcionar, não sendo lícito ao conselheiro tutelar, agindo isoladamente, aplicar medidas, efetuar requisições, enfim, exercer quaisquer das atribuições estabelecidas pelo art.136 da Lei nº 8.069/90.
As decisões do Conselho Tutelar somente terão validade, inclusive para fins de incidência do disposto no art.249 da Lei nº 8.069/90, se resultarem da deliberação, ainda que por maioria de votos, do colegiado, tomada esta em reunião própria que deve o Órgão realizar periodicamente, de acordo com a demanda local e com o que dispuser seu regimento interno [9].
Para que não ocorram prejuízos ao regular funcionamento do Órgão e, por via de conseqüência, às crianças e adolescentes por ele atendidas, deve a legislação municipal contemplar mecanismos que garantam o funcionamento ininterrupto do Conselho Tutelar enquanto colegiado, tendo sempre garantida sua composição legal obrigatória.
Assim sendo, no caso de licenças ou férias de um ou mais conselheiros tutelares titulares, deve-se de imediato convocar seus suplentes, que obviamente, pelo tempo que exercerem a função, deverão ser proporcionalmente subsidiados pela municipalidade.
O ponto nevrálgico da questão reside naqueles casos em que, como consta do enunciado, não mais existirem suplentes a convocar, e o número de conselheiros tutelares em exercício ficar aquém do estabelecido pelo citado art.132 da Lei nº 8.069/90.
O que se tem visto acontecer é a convocação de novo processo de escolha para o preenchimento da(s) vaga(s) existente(s), sendo que até a posse dos novos conselheiros, o Conselho Tutelar permanece em atividade desfalcado de um, dois ou até quatro de seus membros.
Tal solução, embora defendida com veemência pela maioria dos estudiosos no assunto, por diversas razões não nos parece, data venia, a mais adequada.
Com efeito, em primeiro lugar permite que o Conselho Tutelar funcione, muitas vezes por meses a fio, de forma manifestamente irregular, não raro perdendo sua característica de Órgão colegiado e por via de conseqüência a própria legitimidade para suas decisões, invariavelmente prejudicando o atendimento à população durante o período respectivo.
Em segundo, porque cria situações inusitadas e de difícil equacionamento, como é o caso da definição do tempo de duração do mandato dos conselheiros tutelares escolhidos para as vagas existentes.
Será ele de 03 (três) anos, na forma do previsto também no art.132 da Lei nº 8.069/90, ou será apenas um “mandato-tampão” para o período que restar aos demais conselheiros ainda em atividade?
Neste último caso, como justificar a convocação de um processo eleitoral para escolha de um, dois ou até quatro conselheiros tutelares para o exercício de um mandato de duração inferior ao previsto na Legislação Federal específica? Haverá interessados em se candidatarem para um mandato-tampão que poderá durar apenas alguns meses, notadamente face a restrição estabelecida pelo art.132, in fine, da Lei nº 8.069/90[10]? E em caso negativo, o que fazer?
Se já é difícil responder a tais questionamentos, complicada também a situação se concluirmos pelo exercício da integralidade do mandato de 03 (três) anos para cada novo processo de escolha deflagrado, pois em breve poderemos ter 05 (cinco) conselheiros tutelates cumprindo mandatos distintos, com a necessidade de convocação, ao longo de um período de 03 (três) anos, de até 05 (cinco) processos de escolha também distintos, o que acaba por gerar enorme desperdício de recursos e desgaste emocional tanto para os candidatos quanto para os eleitores, que poderão perder o interesse em participar de tão grande número de pleitos para a mesma finalidade.
A nosso ver, nenhuma das citadas soluções satisfaz, pois permite o funcionamento do Conselho Tutelar em desacordo com a legislação específica já mencionada e em prejuízo direto das crianças e adolescentes que o Órgão deve (ou ao menos deveria) atender.

A única alternativa restante, embora drástica e nem um pouco simpática, é o reconhecimento de que o Conselho Tutelar, uma vez que passe a contar com um número de integrantes inferior àquele fixado, de forma invariável, pelo art.132 da Lei nº 8.069/90, e não mais existam suplentes a convocar para assumirem a(s) vaga(s) existente(s), de fato e de direito estará automaticamente DISSOLVIDO.
Como conseqüência, os demais conselheiros tutelares deverão ter seus mandatos considerados EXTINTOS e o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente local terá de deflagrar, de imediato, NOVO PROCESSO DE ESCOLHA para o preenchimento da TOTALIDADE das 05 (CINCO) VAGAS regulamentares.
Enquanto não for dada posse ao novo Conselho Tutelar, as atribuições a ele inerentes serão exercidas pelo Juiz da Infância e Juventude da Comarca, aplicando-se analogicamente o disposto no art.262 da Lei nº 8.069/90.
O entendimento supra decorre da constatação de que a Lei Federal pressupõe que o Conselho Tutelar funcione como um todo, Órgão colegiado que é, não sendo possível “fracioná-lo” entre seus diversos componentes.
O próprio mandato a que se refere o citado art.132 da Lei nº 8.069/90 não pertence ao conselheiro isoladamente considerado, mas sim ao colegiado, aí compreendidos os suplentes legalmente habilitados no mesmo pleito. Daí porque o suplente, seja quando for convocado a assumir a função, ainda que em caráter definitivo face a renúncia, morte ou desligamento do titular, terá seu mandato encerrado juntamente com todos os conselheiros que, desde o primeiro dia, a vêm exercendo regularmente, mesmo se aquele, ao final, venha a apresentar um período de efetivo exercício da função inferior aos 03 (três) anos regulamentares.
Se aceitarmos a possibilidade de o Conselho Tutelar, nas condições acima referidas, funcionar, ainda que provisoriamente, com 04 (quatro) integrantes, teremos de pelos mesmos fundamentos também aceitar que poderá o Órgão funcionar com 03 (três), 02 (dois) e até mesmo 01 (um) único membro dentre os originalmente escolhidos para aquele mesmo mandato.
Diante de tal situação, que infelizmente não é de rara ocorrência, cumpre perguntar: como pode um Órgão composto por 01 (um) ou 02 (dois) integrantes ser considerado um “Conselho” e/ou “colegiado”? Como poderá deliberar validamente? E no caso de funcionar com apenas 02 (dois) membros, se houver empate na votação acerca da solução a ser adotada, como será o impasse resolvido?
Como vimos, a Lei Federal foi categórica ao fixar em 05 (cinco) o número de membros do Conselho Tutelar, que juntamente com seus respectivos suplentes são escolhidos para o exercício de um mandato único, devendo funcionar como órgão colegiado, que salvo em situações excepcionalíssimas e plenamente justificadas pelas circunstâncias, não pode prescindir da presença de um único integrante sequer, quer no atendimento diário ao público, quer nas seções deliberativas periódicas, onde são tomadas, por maioria de votos, suas decisões.
Inexiste qualquer ressalva ou mesmo possibilidade de interpretação da Legislação Federal que permita o funcionamento do Conselho Tutelar com um número de componentes inferior ao legal, pois isto lhe desvirtuaria a essência e permitiria a criação de situações absurdas como as acima mencionadas, o que por certo jamais foi a intenção do legislador.

É até natural que se defenda a “sobrevivência” do Conselho Tutelar quando seu número de integrantes se tornar inferior a 05 (cinco) e não houver suplentes a convocar, pois afinal a “permanência” do Órgão é uma de suas características expressamente previstas no art.131 da Lei nº 8.069/90, e a interrupção do funcionamento de um dos principais componentes do Sistema de Garantias idealizado pelo legislador para a Proteção Integral de crianças e adolescente é sempre traumática e indesejável.
As consequências de um funcionamento irregular do Órgão, no entanto, podem ser ainda mais prejudiciais à população que o mesmo visa atender do que o singelo retorno de suas atribuições à autoridade judiciária, que passará a exercê-las com a colaboração do representante do Ministério Público que oficia junto à Vara respectiva e ainda terá à sua disposição, além de todo suporte administrativo de que antes se valia o Conselho Tutelar (que obviamente não se justifica seja temporariamente “desmontado” e/ou “desmobilizado”), o próprio pessoal que presta serviço ao Juizado da Infância e Juventude, aí incluída a equipe multiprofissional de que tratam os arts.150 e 151 da Lei nº 8.069/90, se houver.

A situação extrema e indesejável acima referida pode ser evitada, no entanto, desde que sejam tomadas algumas cautelas básicas a nível de legislação municipal:

1 – Deve-se evitar a previsão, como ocorre em algumas leis municipais, de que a candidatura ao Conselho Tutelar ocorra através da formação de chapas, na qual conste, de antemão, a relação dos conselheiros titulares e seus suplentes. Além de a formação de chapas reduzir as possibilidades de escolha do eleitor (podendo gerar desinteresse pelo pleito), não raro havendo uma ou, no máximo duas concorrentes, a limitação do número de suplentes (apenas cinco) poderá fazer com que, ao longo do triênio de duração do mandato, não sejam eles suficientes para preencher as vagas que poderão surgir;

2 – De igual sorte, deve-se evitar a previsão, bastante comum, de que “para cada conselheiro titular haverá UM suplente”, o que também limita o número destes a apenas 05 (cinco) e fatalmente acabará gerando a mesma situação referida no item supra;

3 – O correto é estabelecer uma sistemática na qual a candidatura seja individual e todos os candidatos que obtiverem votos por ocasião do pleito sejam considerados suplentes “natos” dos conselheiros escolhidos, sendo chamados a assumir a função na vaga destes pela ordem de votação. Assim, não haverá limite para o número de suplentes que poderão, ao longo do triênio regulamentar, assumir a função, muito embora seja salutar estabelecer um número mínimo de candidatos (e por via de conseqüência de suplentes) para permitir a própria realização do pleito, através de um previsão legal segundo a qual “para cada conselheiro titular haverá AO MENOS um suplente” (ou coisa que o valha);

4 – Deve a Lei Municipal prever que, quando das licenças, férias e/ou afastamento, por qualquer razão, de um ou mais conselheiros tutelares em atividade, de imediato serão convocados os respectivos suplentes, que exercerão regularmente as mesmas atribuições no período e terão direito aos subsídios correspondentes;

5 – Deve-se também prever, de maneira expressa na legislação municipal, a referida extinção automática do mandato de todos os conselheiros tutelares quando, por renúncia ou outros fatores, o número de conselheiros em exercício se tornar inferior ao legal e inexistirem ou houver desinteresse dos suplentes em assumirem suas funções, tudo de modo a evitar, ou ao menos minimizar a possibilidade, de questionamento de tal entendimento na via judicial;

5.1 – A previsão acima referida deve contemplar também a obrigatoriedade da imediata convocação de novo processo de escolha por parte do CMDCA local, passando as atribuições e pessoal técnico a serviço do Conselho Tutelar para o auxílio do Juiz da Infância e Juventude;

6 – Por fim, porém não menos importante, se encontra a necessidade de valorização do trabalho do conselheiro tutelar, através da fixação de seus subsídios em um patamar condizente com a extrema relevância de suas atribuições, bem como pelo fornecimento de uma retaguarda técnica (diga-se equipe interprofissional), nos moldes do previsto nos citados arts.150 e 151 da Lei nº 8.069/90 e de programas de atendimento para onde possa o Órgão Tutelar encaminhar os casos atendidos.

Apenas com a valorização do profissional e o aparelhamento adequado do Órgão e do município, haverá o estímulo à permanência do candidato escolhido na função, o que por certo impedirá a ocorrência de situações como as acima noticiadas, que tanto prejuízo acarretam às crianças e adolescentes destinatárias das normas específicas citadas.

Como já tivemos a oportunidade de salientar em artigos anteriores[11], deve o encaminhamento da proposta de alteração da legislação municipal nos moldes do acima referido, como de resto ocorre com toda e qualquer legislação municipal que diga respeito à criança e ao adolescente, ficar a cargo do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente local, Órgão deliberativo que exerce função executiva típica no qual devem estar presentes – e atuantes, legítimos representantes da sociedade civil organizada, que por certo saberão dar a importância devida a um Conselho Tutelar também fortalecido, representativo, autônomo e diligente, para o que têm o dever de contribuir, ainda que contra o interesse daquele que, ocasional e temporariamente, exerce as funções de Prefeito Municipal.

Apenas assim se estará garantindo, de forma definitiva e adequada, o funcionamento do Conselho Tutelar e o respeito a todas as suas características, inclusive sua permanência enquanto Órgão essencial à obtenção da prometida Proteção Integral de nossas crianças e adolescentes.

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[1] Promotor de Justiça com atribuições junto ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná.

[2] a respeito do tema, vide artigo de minha autoria entitulado “Conselhos Tutelares – Considerações acerca de alguns aspectos (ainda) controvertidos”, publicado na revista “Cadernos do Ministério Público” V.2, N.7, de agosto de 1999.

[3] fora é claro as hipóteses relacionadas no art.22 da própria Constituição Federal.

[4] Aurélio para Windows 2.0.

[5] embora a eles sejam equiparados em especial para fins penais.

[6] além de um duvidoso reconhecimento pelo exercício de um “serviço público relevante”.

[7] dada facultatividade da remuneração do conselheiro tutelar, ex vi do disposto no art.134 da Lei nº 8.069/90.

[8] que por sua vez encontra respaldo no citado princípio constitucional da prioridade absoluta insculpido no art.227, caput de nossa Carta Magna.

[9] a respeito do tema, vide artigo de minha autoria entitulado “Regimento Interno do Conselho Tutelar – Propostas”, publicado na revista “Cadernos do Ministério Público” V.2, N.9, de outubro de 1999.

[10] possibilidade de apenas uma recondução.

[11] a respeito do tema, e especial vide artigo de minha autoria entitulado “Sugestões para Elaboração e Implantação de Políticas de Atendimento a Crianças, Adolescentes, Pais e Responsáveis”, publicado na revista “Cadernos do Ministério Público” V.3, N.10, de dezembro de 2000.

Fonte: publicado na página do CAOPIJ – PR www.mp.pr.gov.br/institucional/capoio/capoca/index.html

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