quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

MEU FILHO QUER CONHECER A MÃE BIOLÓGICA, E AGORA?

Para muitos pais adotivos ver o filho do coração movendo céus e terras em busca dos pais biológicos prece ser algo extremamente doloroso. Mas para quem foi adotado esta é uma forma de descobrir de onde veio, de por um ponto final em certos estereótipos e de preencher uma enorme lacuna. Ricardo Fischer, de 46 anos, tem uma história bem sucedida para contar sobre esse tema. Adotado aos dois anos de idade, quando tinha cinco ou seis começou a perceber que algo não se encaixava direito em sua vida. “Eu era diferente dos meus irmãos. Além disso, fui adotado nos anos 60, época em que havia muito preconceito, e as pessoas não me olhavam ou me tratavam da mesma maneira que meus irmãos”, lembra. Sedento por explicações, Ricardo começou a questionar a mãe sobre o assunto, mas ela sempre procurava não esclarecer o assunto, dizia que ele era muito novo para entender. Até que, aos 12 anos, durante uma briga, uma terceira pessoa disse que ele não era da família, que era adotado. Foi a confirmação que Ricardo precisava. “Geralmente os filhos adotivos descobrem a verdade por meio de brigas em família ou disputas por herança”, comenta.
Mesmo após saber a verdade, a mãe adotiva não quis tocar no assunto, contar toda a história. Até que entre 15 e 16 anos, Ricardo aproveitou estava sozinho em casa, foi até o quarto da mãe, mexeu numa caixa de documentos e achou os papéis da sua adoção. Lá tinha a data em que ele havia deixado o abrigo, o nome da sua mãe biológica e outras informações que precisava para iniciar sua busca.
“Fiquei de castigo por ter mexido nas coisas da minha mãe adotiva, mas depois de muita insistência minha mãe me contou tudo. Depois ficou desesperada, achando que eu iria embora, mas expliquei para ela não queria buscar uma família, mas sim uma origem, saber de onde eu tinha vindo. Só quem passa por isso sabe dessa necessidade”, afirma.
Na época em que Ricardo iniciou sua busca não tinha internet e foi preciso recorrer ao juizado e à Polícia Civil. Mas, como era menor de idade, teve que convencer a mãe adotiva a lhe ajudar. “Ela se revoltou no começo, mas fui mostrando para ela que precisava da informação para completar minha história e ela acabou passando para o meu lado.”
É difícil de acreditar, mas até os sete anos de idade Ricardo morou com a família adotiva em frente ao prédio onde viviam a avó e a mãe biológicas. Talvez até tenha cruzado com uma delas. Até um detetive o rapaz chegou a contratar para lhe ajudar, mas sem sucesso. Depois de muita persistência, Ricardo achou um tio que lhe deu as informações para localizar sua mãe biológica. “Esse tio também havia me dito que eu tinha um irmão gêmeo, que procuro até hoje”, conta.
O encontro de Ricardo com a mãe, que também morava em Porto Alegre, foi emocionante, marcado por uma longa conversa recheada de explicações. “Minha mãe biológica contou que havia sido vítima de preconceito familiar. Ela era de família de classe média alta, era solteira, ficou grávida e meu avô a botou para fora de casa. Chegou a ficar um tempo com a gente, mas quando não conseguiu mais nos sustentar nos levou para uma instituição”, conta. “Hoje conheço meus pais, avós e tios biológicos. Vejo-os como amigos, pois não há vínculo afetivo.”
Ricardo conta que sua vida mudou muito após esse encontro, principalmente porque seus pré-conceitos caíram por terra. “O ser humano fantasia muito as coisas. Por que sou adotado? Por que não me quiseram? Eu não valia nada? A adoção hoje é tratada como uma mentira. A gente, sem saber a verdadeira história, acaba se culpando por ter sido adotado. Por isso é importante a família adotiva contar a verdade, para que o filho não se sinta enganado”.

Medo da verdade
Ricardo conta que 90% das mães evitam contar a verdade com medo de perder o filho que adotou. Mas ele reforça que a procura pela mãe biológica não vai gerar vínculo afetivo, é uma necessidade que a pessoa tem de saber de onde veio. “Não é certo enganar o ser humano, é um direito que o filho adotivo tem de saber quem ele é.”
E é importante lembrar que o medo do que e de quem vai encontrar não é só dos pais. Os filhos, ansiosos por encontrar a mulher que os gerou, acabam idealizando o físico e o psicológico da mãe biológica. Mas eles precisam estar preparados para encontrar o melhor ou o pior do outro lado. “Como aconteceu com a menina que mora na Suíça, a mãe pode não querer conhecer o filho que doou”, lembra.
O criador da ONG Filhos Adotivos do Brasil, que tem como objetivo dar uma força a essas pessoas, ressalta ainda que essa necessidade de conhecer a família biológica também é medica. “Quando você vai a uma consulta o especialista pergunta se alguém da família tem alguma doença. Eu fiquei diabético e descobri que meu avô e minha mãe são. É um tipo de diabetes hereditária. Se eu não soubesse da minha história verdadeira essa informação se perderia”, diz.
Para preparar pais e filhos adotivos para esse momento que, segundo Ricardo, é inevitável, a ONG possui um curso que instrui as mães para a adoção, de forma que elas entendam a importância de falar a verdade para o filho adotivo e deixá-lo procurar por quem o gerou. “O curso dura mais ou menos 10 dias e acontece aqui em Porto Alegre. Nossa ideia é estendê-lo para todo o Brasil.
Geralmente o filho adotivo tem a noção real da adoção na adolescência. Aí começa a vontade de procurar as origens. O problema é que os pais adotivos não sabem lidar com esse momento e acham que o filho é ingrato. “Eles pensam: ‘Fiz de tudo, dei amor e carinho e agora ele quer outra família’. Mas não é assim. A gente não quer vínculo, quer saber a verdade. Muitos filhos entram em choque nessa hora. Porque começa uma briga na família. É preciso estar pronto para isso. A verdade precisa ser contada”, defende do criador da ONG.
A preocupação do idealizador da Filhos Adotivos do Brasil em preparar os pais adotivos para esse processo está no fato de que muita gente não tem noção do que é adotar uma pessoa. Acham que tudo vai ser simples e lindo, mas não é bem assim. “Levar uma criança para casa não é como adotar um gatinho ou um cãozinho. Esses pais precisam entender a situação como ela é. A criança vai chegar com uma bagagem de rejeição e de abandono muito grande”, afirma. “E quando a relação não é como os pais pensavam, eles chegam a devolver a criança, gerando uma rejeição ainda maior.”

Ajuda a outros filhos adotivos
Em 2007 nasceu a Filhos Adotivos do Brasil. Até agora 400 casos foram solucionados no país, 11 de exterior (filhos que moram fora que querem achar a mãe no Brasil) e outros 1.700 estão na fila de espera.
E o procedimento é sempre o mesmo: antes de passar os contatos para o filho adotivo, Ricardo liga para a mãe biológica e faz a ponte para preparar os envolvidos. “A equipe é formada por mim e mais cinco pessoas. Conseguiríamos mais resultados se tivéssemos o apoio do governo, o que infelizmente não acontece”, lamenta. “Esse projeto é o único no país e precisamos de ajuda para mantê-lo.”
Mesmo com a mudança na Lei Nacional da Adoção (nº 12.010/2009), que incluiu no Estatuto da Criança e do Adolescente o direito à revelação da origem biológica, o governo não tem facilitado o acesso a essas informações. “Muitas vezes os órgãos responsáveis não querem nos ajudar e temos que entrar com processo. A burocracia é maior, mas, felizmente sempre ganhamos, pois agora é lei”, comemora.
A internet também se tornou um divisor de águas e agilizou bastante os encontros. Há casos que são resolvidos em questão de horas. Tudo depende das informações que o filho adotivo tem em mãos. Inclusive Ricardo se lembrou do caso de uma menina que mora na Suíça. Ela achou a certidão original, mandou para ele e, três horas depois, ele já estava conversando com a mãe da menina pelo telefone. Apesar da rapidez, não foi um caso fácil, pois a mãe não queria ver a menina.
“Isso pode acontecer. Eu liguei para a mulher em Santa Catarina e contei que a filha morava na Suíça e queria conhecê-la. A mãe renegou”, contou. Ricardo então disse que passaria o telefone de qualquer forma, pois era um direito da menina conhecer a mãe biológica. E após muita insistência ela me contou que não podia ver a filha porque ficou grávida solteira e teve que doá-la. E agora já tinha uma família que não sabia desse passado. “Aconselhei-a a contar a verdade para a família, porque a menina certamente ia ligar. Sei que elas se encontraram três meses depois.”

Fonte: Por Juliana Falcão (MBPress) retirado do site http://www.adocaobrasil.com.br 

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