segunda-feira, 10 de outubro de 2011

DIA DAS CRIANÇAS: um Selo…um amigo… e o compromisso?

Hoje fiquei sabendo que a cidade de Vitória da Conquista onde moro tá querendo receber alguns selos que são dados àquelas que cuidam bem de suas crianças. Eu não entendi muito bem o que isso significa, pois até agora eu só conhecia os selos que a gente compra para colocar nas cartas do correio, mas fiquei pensando nisso de cuidar bem das crianças e na minha vida. Vivo com minha mãe e mais dois irmãos. O nosso pai sumiu desde que minha irmã nasceu. Eu não sou o mais velho e nem o mais novo também, tô no meio e acho que é por isso, por estar no meio, que eu tenho sempre que fazer as coisas dos dois lados. É assim, eu não sou grande o bastante para ir trabalhar na feira com minha mãe e meu irmão, mas já tenho idade para cuidar da minha irmã mais nova. No mês passado eu acabei de fazer oito anos.

Eu não acho a vida da gente muito fácil não, mas a gente se vira. Fome mesmo a gente não passa, mas nunca sobra dinheiro para comprar roupa, brinquedo ou remédio.

Minha mãe faz muita questão que a gente esteja na escola e que aprenda mais do que ela, que sabe assinar o nome e fazer as contas das vendas da feira e das cocadas que eu e meu irmão vendemos na escola. Ela diz que sonha ter um filho doutor ou quem sabe professor, mas que tenha muito estudo. Por isso tentou matricular a gente deste cedo nas creches, só que nunca encontrou vaga. Esses dias ouvi dizer que creche é um direito da criança, mas eu continuo tomando conta da minha irmã, como meu irmão tomou conta de mim, porque não aparece vaga na creche do bairro para ela. Eu sou muito cuidadoso com ela, mas acho que ela estaria mais segura, brincaria e aprenderia mais se tivesse na creche.

A gente fica na porta de casa o tempo quase todo. Faz falta não ter por perto umas praças prá gente brincar. Mas também, se tivesse a praça, será que seria igual a esse terrão batido que é a minha rua Ou será que teria árvores, bancos, grama verde e um escorregador Eu acho que praça tem que ser assim, não sei… eu nunca vi uma praça de verdade onde eu moro, só conheço pelo desenho do meu livro da escola que recebi ontem da diretora e uma que fica toda brilhando só no fim do ano. E o livro é tão bonito! Humm! E como o cheiro de papel novo é bom! Pena que o ano tá acabando e que eu ainda não consiga ler essas palavras tão bem escritas nele. A escrita ainda me confunde muito, mas eu tenho uma pena danada de ficar perguntando a professora, que tem que cuidar daquele tanto de menino que nem eu ao mesmo tempo. A sala é quente, não ventila e as vezes falta água. Na semana passada eu dei uma de ousado e disse a diretora que a professora tava precisando de ajuda com a gente. A diretora me olhou, deu um suspiro, me fez um cafuné gostoso e me mandou brincar. Sei não, mas acho que fiz ela ficar triste.

A gente não passeia muito não, mas um dia descobri pela televisão que havia um grande parque chamado de exposição. Fomos lá. Quando chegamos, descobrimos que tinha que pagar para entrar. Parecia pouco para uma pessoa, mas mãe, eu e meus irmãos o preço ficou alto, choramos, reclamamos e conseguimos entrar. Andamos muito lá dentro tudo muito bonito, muitas luzes, musica, vi muitas crianças brincando, comendo doces, pipocas e refrigerantes. Minha mãe sabia que também queríamos, mas entendemos pelo seu olhar que não tinha dinheiro. Combinamos, voltaríamos a pé e assim, poderíamos brincar, sentamos em um brinquedo e quando sorrimos acabou o tempo, três minutos, e lá se foi todo o dinheiro. Outro dia teve show de palhaço (que era falso), teve musica e peça no teatro, mas não dava para ir, pois era tudo pago também. Eu e meu irmão adoramos futebol, mas para entrar no estádio alguém tem que pagar e aí a gente tem vergonha de ficar pedindo. E se mãe sabe que a gente pediu…

Ah! Mas vai ter festa no dia da criança na escola, a professora disse que elas vão fazer. Que as professoras do ciclo 1 vão ficar responsáveis pela pipoca e refrigerante e as do ciclo 2 pelas balas e lembrancinhas. Eu acho que são elas quem pagam por isso também. Não sei porque isso me deixa meio triste apesar da alegria da festa.

Um dia a professora perguntou prá gente o que queríamos ser quando crescesse. Lito disse logo que queria ser policia, assim ninguém iria bater mais nele. Tonho disse que queria ser médico para ter um carrão. Outro disse que ia ser pastor, pois Deus sempre dá algo para eles viverem. Eu disse que ia ser professor, mas fiquei depois reparando na professora: vai e volta a pé da escola pra casa, não consegue ter roupa nova… ela disse que ama o que faz, mas o salário tá tão ruim, na escola falta de tudo e os adultos parecem que não respeitam sua profissão, vi ela lutando com as outras “pró” para serem ouvidas pelo prefeito. Sei não, acho que ser político. Esses sim parecem ter vida danada de boa.

Mas será que o prefeito anda pela cidade? Será que ele vê as crianças pedindo esmolas na rua, usando drogas, fazendo biscates, dormindo na rua e até botando fogo em espaços da polícia? Será que ele sabe que tem muito menino por aí sendo assassinado, explorado, passando de ano na escola sem saber quase nada? Se eu for político acho que eu vou querer saber de tudo o que acontece na minha cidade para poder fazer a coisa certa.

Pois eu acho que para cuidar bem mesmo das crianças da cidade tem que saber, tem que se preocupar. Tem que gastar dinheiro construindo em todos os bairros espaços para estudar, para brincar, para se alimentar, para cuidar e educar todas as crianças e os adolescentes. Tem que valorizar onde moram as crianças! Uma cidade que faz isso deve merecer mesmo um selo por cuidar bem de suas crianças. Mas pensando na minha vida, eu acho que a minha cidade ainda não é assim… FELIZ DIA DAS CRIANÇAS!

*Reginaldo de Souza Silva – Doutor em Educação Brasileira, Coordenador do Núcleo de Estudos da Criança e do Adolescente do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Email: necauesb@yahoo.com.br .
Por Professor Reginaldo Silva

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