sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Juiz propõe mudar Estatuto da Criança e do Adolescente

Magistrado defende que o ECA, criado há 21 anos, deve ser atualizado para se adequar à realidade de hoje
Em meio a oito mil processos em tramitação, Manuel Clístenes avalia o caso de adolescente de 15 anos, que desafia o juiz. "Não tenho medo de nada e não quero tratamento", afirmou^RODRIGO CARVALHO
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Internação compulsória da criança e adolescente que cometam ato infracional e são dependentes químicos em clínica especializada mantida pelo Poder Público para tratamento, além de mais condição ao Judiciário de privar a liberdade, por 30 dias, daqueles que recebem medidas socioeducativas em regime aberto e as descumprem na primeira vez de sua aplicação, possibilitando maior eficácia.

As duas propostas são defendidas pelo juiz titular da 5ª Vara do Juizado da Infância e Juventude, Manuel Clístenes de Façanha. Para isso, ele propõe mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que, na sua avaliação, quando foi criado há 21 anos, a realidade no País era outra. "É preciso urgência na revisão e atualização do Estatuto, sem elas, o juiz está amarrado e sem poder atuar com mais vigor e rapidez no apoio ao enfrentamento ao tráfico de drogas", opina Clístenes.

O juiz adianta que levará as sugestões para o Tribunal de Justiça do Estado e irá conversar com o titular da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS) do Ceará, Evandro Leitão, no sentido de ampliar o debate e buscar apoio. Segundo a STDS, o projeto terá o apoio da Pasta.

Sobre o primeiro caso - privação de liberdade compulsória -, aponta o magistrado, já existe jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça (STJ). No entanto, ressalta, para a sua aplicação no Ceará, é necessária a existência de clínica especializada no tratamento de dependentes químicos infanto-juvenis em conflito com a lei no Ceará. "Nos últimos anos, temos observado não só um crescente número de atos infracionais praticados por adolescentes e crianças, como o aumento na reiteração desses delitos potencializados, principalmente, pela disseminação das drogas, em particular o crack, na sociedade", frisa ele.

Na reunião com Leitão, o magistrado quer a garantia do Estado da instalação da clínica especializada e da sua manutenção.

Impunidade

No segundo caso, o titular da 5ª Vara da Infância e Juventude, defende a supressão do termo "reiterado" do Inciso III do artigo 122 do ECA. "Crianças e adolescentes em conflito com a lei não estão nem aí para a legislação. Por isso, em 99,9% dos casos descumprem sem justificativa essas medidas e retornam várias vezes perante o juiz. Estamos criando os sem-vergonhas institucionalizados, ou seja, aqueles que estão em vulnerabilidade social, cometem atos infracionais e desafiam o sistema", aponta.

Clístenes cita como exemplo um jovem de 18 anos morto no último fim de semana vítima do tráfico de drogas. "O sistema falhou com ele. É preciso se antecipar, fazer com que esses meninos e meninas sintam segurança, sintam a presença do Estado, da Justiça, que podem se livrar do tráfico e terem seus direitos garantidos", analisa.

Em meio aos oito mil processos em tramitação na 5ª Vara, o juiz, que assumiu há pouco mais de 15 dias, promove audiências em que são constatadas, na prática, a urgente revisão do ECA.

Em uma delas, com a presença da reportagem, F., de 15 anos, encara não só o magistrado, como a promotora e defensora públicas. Viciado em crack e já na terceira passagem pela Vara por não cumprir a medida de liberdade assistida, ele disse ao juiz que podia privar sua liberdade o enviando a um dos oito centros educacionais. "Não tenho medo de nada e não quero tratamento", provocou. Nesse caso, assinala o juiz, o sistema poderia ter agido desde o começo. "É o exemplo típico de quem precisa de ajuda, e cabe ao sistema ajudá-lo, mesmo que não ele queira", destaca.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Descaso e desrespeito no Estado

O tema da Campanha Nacional de 2011 desenvolvida pelas Defensorias Públicas Estaduais em todo Brasil nos remete a um momento de reflexão sobre a questão da absoluta prioridade e tratamentos dispensados as nossas crianças e adolescentes. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, caput, assegura a prioridade absoluta de crianças e adolescentes submetidos a situações de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Portanto, trata-se de um princípio constitucional que deve ser observado por todos. O que se observa na Capital Cearense é um verdadeiro descaso e desrespeito em relação à observância da norma constitucional e da legislação infanto-juvenil. Em Fortaleza, funcionam legalmente 24 Unidades de Acolhimento/Abrigo, a maioria acima da capacidade. Ademais, o quadro de profissionais é insuficiente para necessidade do cotidiano das crianças e adolescentes submetidas ao acolhimento institucional. Neste sentido, em algumas entidades inexiste equipe interprofissional completa. Os processos das crianças acolhidas carecem de maior celeridade processual e em sua maioria não são observados os dispositivos legais contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Neste ínterim, surge o questionamento: como uma criança ou adolescente pode permanecer por até dois anos numa Entidade de Acolhimento? Somente por meio de relatórios semestrais, que explicam como é realizada a manutenção de vínculo familiar e a socialização de crianças e adolescentes acolhidos, que devem ser encaminhados ao juiz em até seis meses. Enquanto isso, na esfera infracional, apesar de repercutir pela sociedade a equivocada informação que ao adolescente que pratica ato infracional nada acontece, a realidade é diferente. Em Fortaleza, existem oito Centros Educacionais, todos em sua capacidade máxima, em que os adolescentes em conflitos com a lei submetidos à internação não recebem a condição adequada de se sócio-educar. Não obstante, o Ceará carece de tratamento hospitalar Público para Crianças e Adolescentes drogadictos, que necessitam receber tratamento para desintoxicação apropriado e eficaz.

Érica Albuquerque
Defensora Pública

DISCUSSÃO
Proposta causa temores e polêmica

As propostas do juiz Manuel Clístenes de Façanha criam polêmica. Uma das integrantes do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente (Cedeca), Nadja Furtado, afirma que é contra essa mudanças, mas que a entidade está aberta às discussões. Um dos temores do Cedeca é que essa clínica se torne uma reedição dos manicômios judiciários.

Uma alternativa, aponta, sem precisar mudar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), seria o Estado oferecer aos inseridos no sistema da Justiça infanto-juvenil a possibilidade de tratamento, em regime aberto, nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps-AD). "Com a sensibiliza-ção por meio de palestras, esclarecimentos e trabalho com a família, a maioria deles terá o incentivo para aderir voluntariamente ao tratamento", sugere.

Nadja avalia que as questões sociais e a falta de políticas públicas efetivas que assegurem os direitos às crianças e adolescentes acabam resvalando no Judiciário, que não pode nesse campo. "Esse menino, menina ou jovem só é visto pelo poder público quando comete ato infracional e chega ao Judiciário e não é assim que deve ser. É preciso atuar antes", salienta.

Já para a promotora de justiça da 5ª Vara da Infância e Juventude, Fátima Valente, as propostas do Juiz Manuel Clístenes são muito bem vindas. "Há muito tempo que defendo mudanças no Estatuto para a gente também reforçar a guerra contra o tráfico", ressalta.

Legislação do adulto

Fátima defende a mudança na lei não só em relação a população infanto-juvenil, como na legislação do adulto. "Entendemos que um dependente químico é doente e, como qualquer outro, precisa de tratamento, mesmo que não queira". No entanto, alerta, a internação nessa clínica especializada só deve ser feita por decisão judicial.

A Defensoria Pública da Infância e Juventude não concorda com a ideia e sugere a implantação desse tratamento dentro dos centros educacionais de privação de liberdade. "Todos devem ter direito de se manifestar se aceita ou não o tratamento", afirma a defensora pública Juliana Magalhães.

A Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que a sugestão da clínica especializada terá apoio do titular da pasta, Evandro Leitão. "Inclusive, temos projeto nesse sentido já apresentado ao governador que também avalia a criação de uma coordenadoria intersetorial somente para cuidar dessa questão", diz.

LÊDA GONÇALVES
REPÓRTER

Um comentário:

  1. O "ECA"DEVERIA AMPARAR NA VERDADE OS ADOLESCENTES E CRIANÇAS QUE JÁ ESTÃO NA LUTA DO DIA A DIA PARA SOBREVIVER.JOVENS HONESTOS QUE DESDE CEDO LUTAM PELO PÃO DE CADA DIA PARA AJUDAR EM CASA.SEM PRIORIDADE EM HOSPITAIS E ESTUDANDO EM ESCOLAS PÚBLICAS SEM QUALIDADE.É MELHOR COMETER ATO INFRACIONAL,POIS O ESTADO E O JUDICIÁRIO PATERNALISTA VÃO LHE DAR AS CONDIÇÕES QUE UM ADOLESCENTE"COMUM" NÃO TEM.

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