sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Bebê internado após crise de abstinência

A mãe era usuária compulsiva de crack durante a gravidez. Por mês, 30 novas gestantes são atendidas pelos CAPS A/D
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O pequeno João (nome fictício) nasceu no último dia 17, mas quase que não "vinga". Ficou 14 dias internado no Hospital Distrital Gonzaga Mota de Messejana (Gonzaguinha) com crise de abstinência, dependência química oriunda do vício da mãe usuária de crack. A genitora fumou "pedra" até a hora do parto. Tremores, irritações, dificuldade de dormir e de sugar denunciavam a falta da droga sentida pelo recém-nascido. Era saudade das substâncias passadas pelo cordão umbilical durante os primeiros nove meses da sua existência uterina.

Infelizmente, o caso de João não é o único na Capital. A cada mês, segundo a coordenadora do Núcleo de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Rane Félix, 30 novas mães com drogadicção chegam aos seis Centros de Atenção Psicossocial (Caps) de Fortaleza e geram meninos com "vícios". No Gonzaguinha de Messejana, por exemplo, a cada 30 dias, cerca de dois bebês apresentam alguns desses muitos sintomas.

Malefícios

Além do dano causado pelo excesso de química no útero, João teve o tempo de internação postergado por apresentar também quadro de sífilis congênita. "O menino agora está bem. Mas sofreu muito. Só teve alta médica na última quarta-feira depois de 14 dias recebendo muitas medicações. Após avaliação rigorosa, foi levado pelo pai, que parece não ser usuário de drogas", afirma a enfermeira obstétrica que cuidou do caso, Ineida Sales. A magricela mãe, moradora do bairro Jangurussu, tem seis filhos para tentar cuidar.

Membros da equipe médica do Gonzaguinha, assistentes sociais e demais profissionais relataram o sofrimento do pequeno João. Contam que ele revirava os olhos, tremia o corpo, chorava compulsivamente, contorcia-se bastante. Não se sabe ainda se o bebê trará sequelas futuras, algum retardo mental ou de crescimento. A diretoria da unidade se comprometeu em acompanhar a criança por um ano.

Apoio

Sobre o futuro do pequeno João - sem a guarda da mãe - e de seus seis irmãos, o Conselheiro Tutelar da Secretaria Executiva Regional (SER) VI, Marcos Paulo Cavalcante, disse oferecer apoio à toda família, prometeu realizar, ainda hoje, uma visita a morada dos herdeiros e dessa mãe tão maltratada pelo vício do crack e de outras drogas.

"Muitas grávidas usuárias nem sabem que estão gestantes e nem desejam os filhos que carregam no ventre. Elas mal têm condições de cuidar de si, imagina de um bebê. Daí, sobra para a avó ou para o pai. Um problema social muito grave e complexo", comenta. Conforme o conselheiro, não são tão raros, na região, também os casos de abortos - espontâneos ou premeditados - ou de abandonos.

Frequentes

A neonatologista Francielze Lavor comenta que a incidência de recém-nascidos com quadro de dependência química, horas depois do parto, tem sido mais comum nas maternidades distritais, de bairros. "As gestantes drogadictas não fazem, na sua maioria, pré-natal e não são bem acompanhadas. Acabam parindo onde é mais perto de casa. Negligenciam o feto e nem chegam à apresentar afetos. Mal se amam, são consumidas e escravas do seu vício", ressalta.

Segundo Francielze Lavor, a drogadicção deve deixar de ser apenas um caso de polícia e ser tratada como problema de saúde pública, ainda mais na gravidez. "A incidência de gestante usuária de crack pode ser considerada uma pandemia. O uso é muito intenso e a abstinência também. Mãe e crianças sofrem juntas", ressalta a médica.

A neonatologista, que trabalha na Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), comenta que quadros semelhantes também podem ser encontrados em hospitais de referência. "Tivemos alguns casos nos últimos meses na Meac. Não sei precisar quantos", relata Lavor.

A coordenadora do Núcleo de Saúde Mental da SMS, Rane Félix, relatou que o quadro de dependência tem crescido em toda a rede pública. "Não são mais tão incomuns assim, apesar de realizarmos diversas ações com as grávidas usuárias em todos os Caps de Fortaleza". A assessoria de imprensa do Hospital César Cals (HCC) - outra maternidade de referência na Capital - informou que não há registros de casos semelhantes naquela unidade.

Alerta

14 Dias foi o tempo de internação do pequeno João (nome fictício) no Gonzaguinha d e Messejana. Sua mãe fumou pedra de crack até horas antes do parto e tem outos seis filhos

2 Bebês nascem por mês, no Gonzaguinha de Messejana, com sintomas de dependência química. Especialistas garantem que os casos são mais comuns nos hospitais distritais

BRASIL
Gestantes: 8% se drogam até o 9º mês

Artigo publicado recentemente pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) aponta que dados nacionais, obtidos por entrevista de 8.589 indivíduos de 107 cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes, indicam o uso de maconha por 6,9% da população brasileira. Deste público, conforme o psicólogo Osmar Diógenes Parente, destacam-se as gestantes. "Pesquisas recentes confirmaram que 51% das gestantes brasileiras fazem uso de álcool, 29% de tabaco, 7% de maconha e 1% de cocaína e 8% usam até o último mês. Essa realidade é um verdadeiro absurdo", ressalta Parente.

Fragilidade

A situação se agrava, conforme o psicólogo, com as mulheres jovens, pobres e com estrutura familiar mais fragilizada.

Um estudo feito na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que avaliou a prevalência do uso de drogas durante a gestação de mil adolescentes atendidas em um hospital público de São Paulo, por exemplo, verificou que o uso de tabaco, álcool e drogas ilícitas foi de 17,3%, 2,8% e 1,7%, respectivamente.

O dano começa antes mesmo do nascimento da criança, explica Osmar Diógenes. Para ele, a maioria das gestantes usuárias de drogas nem sabe como engravidou, vive relações sexuais promíscuas, apresenta doenças sexualmente transmissíveis e até transtornos mentais. "Infelizmente, ainda temos poucas políticas especificas para as genitoras com este perfil de drogadicção. Falta fazer mais para salvar tanto as mães como os filhos", ressalta.

Para ele, o maior receio não é somente com a saúde. "Os bebês escaparam da morte, mas não sabem do futuro", diz.

IVNA GIRÃO
REPÓRTER

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